Jayme Campello Fonseca Rodrigues: a história do arquiteto brasileiro multifacetado

Ainda pouco lembrado entre os tradicionais nomes da arquitetura nacional, Jayme Campello Fonseca Rodrigues (1905–1946) foi um importante arquiteto, designer de interiores e de móveis, que atuou no começo do século 20. Ele se destacou pela atuação múltipla e estilo com referências modernas, combinando geometria, linhas retas e esféricas com elementos naturais.
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A sua trajetória extrapola a posição do arquiteto art déco, em que é colocado. “Sua posição é a de um profissional de grande atividade no período de entreguerras, representativo de uma estética ainda não adequadamente desvelada na arquitetura brasileira do século 20”, registra o professor e autor Hugo Segawa no livro Jayme C. Fonseca Rodrigues – Arquiteto (BEĨ Editora), publicado em 2016, o qual reúne croquis, imagens, documentos e ensaios críticos sobre a trajetória e trabalhos de Jayme.
Formação e primeiros anos
Sétimo filho de José Antônio e Celina de Sá Campello Fonseca Rodrigues, Jayme nasceu na capital paulista em 1905. Aos 20 anos, ingressou no curso de Engenharia Arquitetônica pela Escola de Engenharia Mackenzie, onde foi colega de turma do arquiteto Oswaldo Bratke, e contemporâneo de Eduardo Kneese de Mello e Henrique Mindlin, também arquitetos.
Ateliê na Escola de Engenharia Mackenzie. Entre os presentes na foto, destaca-se Jayme Campello Fonseca Rodrigues (segundo da esquerda para direita), Augusto Lotufo, Américo Cápua, Olívia Barros do Amaral. O Oswaldo Bratke é o quarto da direita para a esquerda. A fotografia foi tirada provavelmente em 1930, com os alunos dos três primeiros anos de arquitetura
Autoria desconhecida/Imagem cedida por BEĨ Editora
Durante a sua formação acadêmica, participou do concurso do Palácio do Congresso de São Paulo e seu projeto “Farol Monumental” recebeu menção honrosa em concurso do Mackenzie. Jayme apresentou como projeto final de curso um edifício comercial de 43 andares.
Ele se formou em 1931 e, em seguida, fundou o seu próprio escritório e assumiu parte da diretoria do Instituto Paulista de Arquitetos. No mesmo ano, desenhou sua primeira obra: o interior da casa dos pais, o qual, além do laço afetivo, evidenciou Jayme como profissional.
Hall de entrada da residência de José Antônio da Fonseca Rodrigues, pai do arquiteto Jayme Campello Fonseca Rodrigues. Projeto de 1931
Jayme C. Fonseca Rodrigues/Imagem cedida por BEĨ Editora
Já em 1935, ficou responsável pela elaboração dos interiores do Palácio dos Campos Elísios, na época, residência oficial do governo paulista. “Ciente da singularidade da encomenda, [ele] criou ambientes sóbrios de um luxo, revelado pela sofisticação do desenho e precisão dos acabamentos”, escreve Juliana Suzuki, professora de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em artigo que compõe o livro da BEĨ Editora.
O arquiteto atuou em diversas frentes, como interiores, mobiliário, arquitetônicos e urbanísticos. Também teve atuação pública e foi um dos fundadores do departamento paulista do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), bem como seu primeiro vice-presidente.
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“Sua obra se destaca pelo equilíbrio entre rigor formal e sensibilidade estética, incorporando uma linguagem arquitetônica que dialoga tanto com influências europeias modernas quanto com a cultura local”, afirma Lissa Carmona, CEO da ETEL Design.
A linguagem de Jayme combinava influências do art déco, do streamline moderne — ramificação dessa primeira estética com influências do design aerodinâmico de barcos, locomotivas e automóveis — e do modernismo brasileiro.
Dentre os principais projetos feitos pelo arquiteto, destacam-se no Rio de Janeiro o cineteatro São Luiz, de 1934; e o restaurante do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (Iapi), de 1939; na capital paulista, os ícones são as casas geminadas do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas (Iapetc), de 1936; e os ambientes da sua residência e da sua irmã, desenvolvidos entre os anos de 1935 e 1937.
A Sede do Instituto de Aposentadoria e Pensionistas dos Comerciários (IAPC) também é um projeto de Jayme Campello Fonseca Rodrigues e foi elaborado no ano de 1941
Autoria desconhecida/Imagem cedida por BEĨ Editora
No design de móveis, a sua atuação tornou-se mais ativa a partir da metade dos anos 1930. “Ao optar por linhas retas e formas geométricas, suas peças destacam-se pela sobriedade e pela pureza, antecipando tendências que valorizavam a função sem abdicar da estética”, pontua Lissa.
Quanto aos materiais, optava recorrentemente pela composição de elementos opacos com translúcidos, o que trazia uma identidade singular. “A madeira, trabalhada com precisão, conferia durabilidade e solidez, enquanto o vidro e o espelho criavam efeitos sutis de luminosidade e reflexo, estabelecendo um diálogo entre massa e transparência”, ela acrescenta.
Da esquerda para direita, papeleira JFR; penteadeira JFR; e mesa de cabeceira JFR. Todas as peças são de Jayme Campello Fonseca Rodrigues e foram reeditadas pela ETEL Design
Fernando Laszlo/Cortesia de ETEL Design
Iniciada em 2016, a ETEL promoveu a reedição de peças de Jayme, em projeto feito em parceria com os herdeiros do arquiteto. A coleção tentou garantir a máxima fidelidade aos móveis originais dos anos 1940 e, atualmente, inclui a poltrona Baixa, a papeleira JFR, a penteadeira JFR, as mesinhas JFR, e as mesas de cabeceira JFR.
Os detalhes do Cine São Luiz
Os primeiros estudos do cineteatro no bairro do Catete, no Rio de Janeiro, datam do ano de 1932. Fortemente influenciado por referências estadunidenses e do mobiliário da Escola Bauhaus, o projeto foi inovador nas formas curvas, acústica e por integrar as diferentes facetas de Jayme como profissional.
Sala de projeção, vista do palco para os balcões, do Cine São Luiz, no Rio de Janeiro
P. Botelho/Imagem cedida por BEĨ Editora
Inicialmente chamado de Cine Lux, o espaço foi inaugurado em 1937 com uma noite marcada pela exibição do filme Ela e o Príncipe (1937), estrelado por Tyrone Power e Sonja Henie.
Vista do hall no dia da inauguração do Cine São Luiz, em 1937
Jayme C. Fonseca Rodrigues/Imagem cedida por BEĨ Editora
“O êxito do projeto provém do entendimento do arquiteto da necessidade de impressionar, deslumbrar e inspirar o público”, escreveu Juliana no livro da BEĨ Editora.
Projetos residenciais de Jayme
“Um palácio de sonho debruçado sobre o mar.” Essa foi a descrição feita do edifício Sobre as Ondas, no litoral paulista, em texto publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 1946. O prédio, idealizado no ano anterior, é a última obra de Jayme, e marca um ponto de inflexão de sua carreira. Além disso, segundo o autor Hugo, traduz a mudança de pensamento nos anos 1940 sobre os modos de morar e olhar as cidades.
Localizada no Guarujá, a construção é assinada em coautoria com o arquiteto Oswaldo Corrêa Gonçalves, uma exclusividade na trajetória de Jayme. “O edifício é um marco paisagístico dessa cidade, símbolo do empreendedorismo turístico de meados do século 20”, pontua Hugo no seu livro.
Com 88 apartamentos de diferentes tamanhos e áreas comuns que incluíam restaurante, salão de jogos e jardins, o edifício foi planejado para uma vida litorânea sofisticada. A inauguração ocorreu em 1951, quando Jayme já havia falecido, e foi eufórica — em apenas uma semana, todas as unidades estavam reservadas.
Marquise e remanescentes da Sala das Pedras como parte do jardim do Edifício Sobre as Ondas, de Jayme Campello Fonseca Rodrigues, na fotografia do Postal Colombo
Autoria desconhecida/Imagem cedida por BEĨ Editora
Construído sobre onde antes havia pedras que separavam as praias de Pitangueiras e Astúrias, sem fundações tradicionais, o edifício se funde à paisagem. A curva suave que contorna o mar, os pilotis, a planta livre e o terraço-jardim expressam os princípios do modernismo com fluidez. A inspiração em transatlânticos e no modernismo carioca conferiu ao projeto um visual leve, náutico e pioneiro.
O projeto foi premiado no IV Congresso Pan-Americano de Arquitetura, em Lima, no Peru, e exibido na Trienal de Milão, na Itália, ainda na década de 1940. Hoje, é patrimônio tombado pelo Condephaat.
A cápsula do tempo e o trabalho de resgate
A produção de Jayme Campello Fonseca Rodrigues foi interrompida cedo. Em 1946, o arquiteto faleceu aos 41 anos, em São Paulo, após abrupta internação devido a uma crise no pâncreas.
O cuidado com os detalhes, a vocação integradora e a atenção à experiência do espaço o colocam entre os grandes nomes da arquitetura brasileira. “Sua produção multifacetada amplia o patrimônio cultural nacional, revelando a importância da integração entre diferentes escalas e disciplinas do projeto”, destaca Lissa.
Residência de Jayme Campello Fonseca Rodrigues (à esq.), que foi desenvolvida pelo próprio arquiteto, e ele ao lado de sua esposa (à dir.), Maria Helena Milliet Fonseca Rodrigues, provavelmente em viagem de lua de mel, em Buenos Aires, Argentina, em 1934
Autoria desconhecida/Imagem cedida por BEĨ Editora
Apesar disso, o seu trabalho e trajetória, por muitos anos, foi marcado por um processo significativo de esquecimento.
Com o acervo preservado pela família, sobretudo por Maria Helena Milliet Fonseca Rodrigues e Vera Maria Milliet Fonseca Rodrigues, esposa e filha do arquiteto, o trabalho de Hugo Segawa foi possível. A pesquisa e o livro foram importantes para a recuperação histórica de Jayme e seus trabalhos, dando continuidade ao desejo de Vera, já falecida, de transformar as memórias do pai em livro.

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