Livro traz contos que unem urbanismo periférico e vidas invisíveis em São Paulo

A São Paulo que surge no livro Notas Infames na Cidade não é a dos cartões-postais, mas a metrópole que se revela nas margens, entre os trajetos das periferias até o centro, nas filas do transporte público e atrás dos balcões. Lançada em maio de 2025 pela Editora Patuá, a obra de Ricardo da Paz reúne doze contos, que buscam realçar as histórias dos sujeitos que estiveram e continuam nesse espaço que ele chama de “notas de rodapé da capital paulista”.
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Nos contos, a metrópole, sobretudo durante os anos 1990, ganha forma pela perspectiva de personagens que circulam intensamente, mas raramente entram no foco das narrativas oficiais urbanas. “Quis contar as múltiplas histórias de São Paulo, não a partir do Pátio do Colégio, mas sim com a voz dessas pessoas que saem da periferia e têm muito a dizer, ainda que não reparemos”, afirma o autor em entrevista à Casa e Jardim.
A obra reúne contos que tornam visíveis aqueles que Ricardo nomeia como os “infames da cidade”. Esses são os personagens comuns, muitas vezes invisibilizados, que ocupam as notas de rodapé da vida urbana. Ordenadas de forma intuitiva por Ricardo, as histórias permeiam as diferentes perspectivas situacionais e geracionais que compõem a realidade dessa parcela da população.
A Penha, na região Leste de São Paulo, é trazido como um dos bairros das personagens do livro de Ricardo da Paz
Lukaaz/Wikimedia Commons
O livro começa com a história de Raio, um office boy que fazia entregas de envelopes, documentos e pertences em diferentes bairros. No segundo conto, somos reconduzidos para a região da Penha, em que o leitor conhece a trama de um jovem tenta conciliar a rotina de estudos com uma condição de trabalho precarizada.
Violência estrutural, desigualdade territorial e vínculos cotidianos aparecem entrelaçados. “O livro nasce com a proposta de humanizar essas pessoas, não as vitimizar. A ideia foi complexificar, sem construir vilões, nem heróis”, destaca Ricardo.
A proposta do livro Notas Infames na Cidade foi trazer as desigualdades e violências como elementos que perpassam de diferentes formas a história dos personagens
Vilar Rodrigo/Wikimedia Commons
O percurso como autor e a construção de Notas Infames na Cidade
Por trás do pseudônimo Ricardo da Paz — homenagem à mãe, Maria da Paz — está Ricardo Barbosa da Silva, doutor em geografia humana e professor. Crescido na Cohab 2, em Itaquera, se encantou pelos livros na biblioteca do bairro, que depois os acompanhariam nos percursos diários de ônibus e trem. “Minha leitura sempre veio da rua”, lembra. Esses trajetos também alimentaram sua sensibilidade para observar quem a cidade costuma ignorar.
A escrita começou ainda na juventude. Ele escrevia muito, mas finalizava ou ficava pouco satisfeito com seus textos. “Eu era um deles também, invisibilizado na cidade, e não via o papel de escritor como um espaço possível para mim”, ele declara.
Nomes como Lima Barreto, Machado de Assis, Dostoiévski, Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus e a música, como o reggae, o rock e o rap, o inspiraram. “O rap dos Racionais, por exemplo, trouxe a força política que ajudou a politizar uma geração”, salienta Ricardo.
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Foi apenas depois dos 40 anos que decidiu publicar, ao receber a resposta positiva da editora Patuá para o que seria o seu primeiro livro de poemas: Gambiarra, quase poema: escritos pandêmicos, lançado em 2023.
A partir daí, mergulhou no universo literário e resgatou narrativas guardadas por décadas para consolidar o que seria Notas Infames na Cidade.
Cenário além do urbanismo
A década de 1990 aparece como plano de fundo da maioria dos contos e foi escolhida por sua força simbólica. “A minha tentativa foi de olhar para esse período, que aconteceu tanta coisa, em termos de violência de um lado, e, por outro, de possibilidades, de efervescência cultural. Era preciso criar mecanismos para não esquecer esse momento”, diz Ricardo.
Notas Infames na Cidade é o primeiro livro de contos de Ricardo da Paz e foi publicado pela Editora Patuá em maio de 2025
Editora Patuá/Divulgação
Para o autor, embora se volte ao passado, o livro se mostra poderoso para refletir sobre o presente e projetar o futuro, em um cenário em que a metrópole ainda marginaliza seus “infames” por questões de raça, classe e gênero.
“As provocações que proponho dizem respeito a pensar qual é a cidade que queremos e de que forma entendemos que a cultura e a educação podem transformar essa condição, que ainda impede esses sujeitos de narrar sua própria história e perspectiva diante da cidade”, reflete Ricardo.

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