Principal renderizadora do escritório do arquiteto estadunidense, ela ajudou a traduzir as ideias de Frank com seus delicados e românticos desenhos A cidade de Chicago, localizada no centro-oeste dos Estados Unidos, é um precioso centro arquitetônico. Hoje conhecida pelos seus arranha-céus e construções de estilos distintos, a capital do estado de Illinois há muito tempo é palco para movimentos e profissionais eternizados na história da arquitetura mundial.
Foi lá, por exemplo, que Frank Lloyd Wright desenvolveu grande parte de sua obra e se estabeleceu como um dos principais nomes da arquitetura moderna estadunidense. Dele muito se sabe, e a grandeza de seu trabalho e sua influência foi extensivamente documentada e repercutida.
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Mas hoje vamos falar sobre outro nome, muitas vezes ofuscado pelas narrativas: Marion Mahony. Principal renderizadora do escritório de Frank, ela ocuparia a função de projetista-chefe caso os títulos modernos fossem aplicados, e ajudou a “traduzir” as ideias dele para o público geral por meio de seus desenhos românticos.
Mais que isso, porém, ela foi a segunda arquiteta a se formar pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e se tornou a primeira arquiteta licenciada em Illinois. Mais tarde, ao lado de seu marido Walter Burley Griffin, ela colaboraria para projetos na Índia e desenvolveria o projeto de Canberra, capital da Austrália.
Infância e juventude de Marion Mahony
Marion Mahony nasceu em Chicago em 1871 como a segunda dos cinco filhos da professora Clara Hamilton e do jornalista, poeta e professor Jeremiah Mahony. Seis meses após o seu nascimento, ela e sua família foram obrigadas a se mudar para o município vizinho Winnetka, devido ao Grande Incêndio de Chicago, que destruiu boa parte da cidade.
Neste subúrbio, Marion passou os seus primeiros anos de vida cercada por natureza intocada e uma comunidade utilitarista vivaz. Depois da morte de seu pai em 1882, ela foi criada por sua mãe, tia e avó, mulheres livres-pensadoras imersas no protestantismo liberal e no movimento progressista da região.
Essa influência por modelos femininos seguiu ao longo de sua vida. Quando a sua mãe se tornou diretora de uma importante escola pública em Chicago e passou a se envolver com reformadores sociais e intelectuais, Marion se aproximou da política e ativista Anna Wilmarth. Foi ela quem financiou pessoalmente a educação de Marion no MIT – a primeira escola de arquitetura dos Estados Unidos a fazer parte de uma universidade – e transformou para sempre a vida da então estudante.
Marion Mahony foi a segunda mulher a se formar em arquitetura pelo MIT (foto). Segundo Stuart Cohen, esta foi a primeira escola de arquitetura dentro de uma universidade
Flickr/ochinko/Creative Commons
A busca pelo diploma ainda foi inspirada por Dwight Perkins, seu primo que também era formado em arquitetura. Após a graduação de Marion, ele a convidou para trabalhar em seu escritório em Chicago, onde ela começou a contribuir como renderizadora em 1894.
“Ela ganhou um emprego quando seu primo abriu o próprio escritório, enquanto Daniel Burnham estava ocupado com o escritório montado para a Feira Mundial de Chicago de 1893″, afirma o arquiteto Stuart Cohen, autor do livro “Frank L. Wright e os Arquitetos do Steinway Hall”.
Ele acrescenta que Marion foi a responsável pelos desenhos de construção do Steinway Hall – a primeira encomenda de Dwight e um prédio que acabou se tornando conhecido pelos escritórios de arquitetura que sediava.
O encontro de Marion Mahony com Frank Lloyd Wright
Foi no Steinway Hall que nasceu a amizade e a colaboração profissional entre Marion e Frank. Edifício renascentista italiano de 11 andares, o prédio teve seus níveis superiores ocupados por arquitetos repletos de ideias sobre uma nova arquitetura estadunidense. Alguns desses nomes incluem Robert Spencer, Lawrence Buck, Myron Hunt, e os próprios Dwight e Frank.
“Quando o Steinway Hall foi concluído, Frank foi um dos arquitetos que Dwight convidou para compartilhar seu estúdio no último andar do edifício. Quando Dwight ficou sem trabalho para Marion, Wright a contratou”, conta Stuart.
Considerado um dos mais importantes arquitetos do século 20, Frank Lloyd Wright contratou Marion Mahony como renderizadora em seu escritório no início da carreira dela. Foto do World Telegram & Sun, por Al Ravenna
Mustafagunes2/Wikimedia Commons
Ali se iniciou uma relação frutífera e valorosa a ambas as partes: de um lado, Frank se beneficiou do estilo visual de Marion, seu talento na arte e expertise nas renderizações arquitetônicas, que o ajudaram a vender os seus projetos. Por sua vez, interpretar e renderizar as obras do arquiteto ajudou Marion a desenvolver as suas habilidades ainda no início de sua carreira.
“É difícil separar as contribuições de Marion para a obra de Frank. Os primeiros desenhos de apresentação dela provavelmente influenciaram o estilo de desenho dele”, diz Stuart.
O desenho da Casa KC DeRhodes (1906), localizada em South Bend, no estado de Indiana, é uma boa ilustração desta influência mútua. Nele, é possível notar que Marion foi tocada pela paixão de Frank pela arte japonesa, ainda mais evidente após uma viagem realizada ao Japão em 1905 – de onde ele voltou com uma vasta coleção de xilogravuras, muitas delas do pintor Utagawa Hiroshige.
Steinway Hall, edifício projetado pelo arquiteto Dwight Perkins e sede de importantes escritórios de arquitetura em Chicago
RGKMA/Wikimedia Commons
Alguns elementos do desenho representados no papel acenam para esta influência, como o pardal no canto inferior esquerdo, os galhos, as árvores e as flores. Um olhar mais cuidadoso vai notar que, também no canto inferior esquerdo, Marion ousou assinar o desenho com o monograma “MLM” (Marion Lucy Mahony).
Por sua vez, Frank escreveu no lado oposto: “Desenho de Mahony. Segundo FLLW e Hiroshige”, reconhecendo o estilo japonês de sua colaboradora. Você pode conferir esta imagem na página da Fundação Frank Lloyd Wright.
“Muito provavelmente, a ideia de floreiras contínuas formando grades de varanda com a folhagem pendurada foi dela”, afirma Stuart, desta vez sobre o projeto da Casa Stephen M. B. Hunt.
Casa Stephen M. B. Hunt, projetada por Frank Lloyd Wright, cujas floreiras provavelmente foram ideia de Marion Mahony, segundo o arquiteto Stuart Cohen
Finavon/Wikimedia Commons
Mas é importante reforçar que os ofícios de Marion e Frank não eram os mesmos: ela trabalhava como renderizadora e, portanto, produzia os desenhos que comunicavam ao público geral (não-profissional) o que eles estavam propondo construir.
É isso que explica David Van Zanten, professor emérito de Arte e História da Arte na Universidade Northwestern e editor do livro “Marion Mahony Reconsidered”. Quando perguntado sobre a influência de Marion no trabalho de Frank, ele diz: “Honestamente, pouco ou nada. Ela havia sido treinada no estilo ‘Beaux-Arts’ e não há nada disso em seu trabalho para Frank. Mas ela era uma artista gráfica maravilhosa e não sabemos até que ponto a sua interpretação, em muitos sentidos da palavra, dos designs dele influenciou nossa compreensão de sua obra [de Frank]”.
Estúdio de Frank Lloyd Wright em Oak Park, onde ele trabalhou depois da temporada no Steinway Hall e foi acompanhado por Marion Mahony
Philip Turner/Wikimedia Commons
Também existem suposições de que Marion tenha desempenhado um papel importante na atração e no relacionamento com clientes, com registros de visitas a terrenos como representante do escritório de Frank e evidências de sua participação nos designs e apresentações dos projetos.
Além disso, parecia haver uma admiração e um respeito recíproco entre a dupla durante os anos em que trabalharam juntos. “Quando ele construiu seu estúdio em Oak Park, Marion trabalhou para ele. Outros funcionários do estúdio alegaram que ela foi a única que o questionou sobre suas ideias e que desempenhou um papel fundamental na concepção da obra”, afirma Stuart.
O relacionamento entre Marion e Frank foi construtivo até 1909, quando o arquiteto partiu para a Europa para produzir um portfólio de seus trabalhos com o editor alemão Ernst Wasmuth. Ironicamente, grande parte do que se tornou este compêndio – que estabeleceu Frank como gênio da arquitetura e influenciou modernistas europeus – tem origem nos desenhos de Marion.
Quando Frank Lloyd Wright deixou a mulher Catherine “Kitty” Tobin por Mamah Borthwick Cheney e partiu para a Europa, a relação de amizade e colaboração com Marion Mahony estremeceu
Frank Lloyd Wright Preservation Trust/GettyImages
Foi também neste momento que Frank deixou a sua primeira esposa, Catherine “Kitty” Tobin por Mamah Borthwick Cheney. O adultério provavelmente foi um problema para Marion, que era próxima a Catherine, e estremeceu a amizade entre os arquitetos.
Durante o período de Frank na Europa, Marion continuou trabalhando em seu escritório por um tempo, concluindo encomendas como a Casa Amberg (Gran Rapids, Michigan), a Casa Robert Mueller (Decatur, Illinois) e a Casa Adolph Mueller (também em Decatur, Illinois).
Depois que o escritório em Oak Park fechou, em 1909, Marion voltou a trabalhar no Steinway Hall. Lá, ela reencontrou o antigo colega Walter Burley Griffin, que trabalhava para o escritório do primo Dwight Perkins, e com ele se casou em 1911. Juntos, o casal fundou um escritório de arquitetura próprio.
Temporada de Marion Mahony na Austrália
Foi Marion quem convenceu o marido a submeter, em 1911, uma proposta ao concurso internacional para projetar Canberra, a nova capital da Austrália. Rico em desenhos e detalhes, o trabalho dela ajudou a vender as ideias do seu marido para uma “cidade ideal” – um lugar que, surpreendentemente, ela nunca havia estado.
Walter Burley Griffin e Marion Mahony venceram o concurso para projetar a cidade de Canberra, na Austrália, que eventualmente concretizou muitos dos planos básicos planejados pelo casal
Flickr/Jo Shaw/Creative Commons
Eles acabaram vencendo a competição e se mudaram para a Austrália em 1914, onde construíram uma carreira bem-sucedida. Ainda que muitas ideias específicas tenham sido alteradas à medida que a cidade era construída, os planos básicos que Marion e Griffin desenvolveram para Canberra foram eventualmente concretizados.
O casal estabeleceu escritórios de sucesso em Melbourne e Sydney – nesta última cidade, projetaram o subúrbio experimental de Castlecrag em 1920, que existe até hoje. Já nos anos 1930, o casal passou um tempo em Lucknow, na Índia, onde Griffin estava projetando uma biblioteca universitária.
Aquarela do projeto de Canberra que foi submetida à competição e produzida por Marion Mahony segundo as ideias de Walter Burley Griffin. A perspectiva é a vista do cume do Monte Ainslie
File Upload Bot (Magnus Manske)/Wikimedia Commons
Embora seja dito que Marion foi ofuscada também na relação de trabalho com seu marido, as fontes entrevistadas para esta matéria discordam. Para David, por exemplo, é fundamental lembrar que o trabalho de cada um era distinto. “Eles não faziam a mesma coisa. Ele construía prédios. Ela imaginava cidades, assim como maravilhosas paisagens ‘fantasiosas’”, diz.
“Se você estivesse aqui em Evanston, Illinois, eu a levaria a uma escola onde o primo dela dava aulas para crianças e poderíamos ver uma parede inteira pintada por ela no final da vida, com céu azul e nuvens, pássaros e flores multicoloridas. Foi nisso que ela se estabeleceu novamente no final da década de 1930″, completa David.
Marion Mahony Griffin e Walter Burley Griffin jardinando no quintal da casa “Pholiota”, em Heidelberg, Victoria, no ano de 1918
Sumita Roy Dutta/Wikimedia Commons
Já Stuart diz que Marion atuava como uma colaboradora, e que portanto é difícil distinguir as contribuições de cada. “Ela sempre o honrou e acreditava que ele era um grande arquiteto, cujo trabalho era mais importante que o de Frank Lloyd Wright”, acrescenta.
Griffin morreu em 1937 enquanto trabalhava na Índia. Depois disso, Marion não permaneceu muito tempo na Austrália: com quase 70 anos, ela retornou aos Estados Unidos, mas praticamente encerrou a sua carreira arquitetônica.
Walter Burley Griffin e Marion Mahony. Enquanto ela se entendia como uma desenhista e renderizadora, Griffin atuava como o arquiteto (eventualmente, de uma cidade inteira, cuja construção ele testemunhou)
WikiPedant/Wikimedia Commons
“Após o seu retorno a Chicago, ela trabalhou como designer e muralista, mas informalmente. Ela executou um mural de 10 metros de comprimento, com cores vibrantes, representando topos de montanhas e o céu, na parede de um prédio”, conta David.
Outra importante atividade de seus últimos anos de vida foi a produção de um enorme volume de 1.400 páginas e 650 ilustrações intitulado “A Magia da América”, no qual Marion detalha a sua vida profissional e a de Griffin. Um manuscrito depositado no Instituto de Arte de Chicago em 1949 foi digitalizado.
Túmulo de Marion Mahony Griffin (1871–1961) no Cemitério Graceland, em Chicago
Nick Number/Wikimedia Commons
Marion Mahony morreu como indigente em 1961, em Chicago, aos 90 anos. As suas cinzas foram enterradas sem lápide no Cemitério de Graceland, onde outros importantes arquitetos renomados foram sepultados – Louis Sullivan, Daniel Burnham e Mies van der Rohe.
Posteriormente, os restos mortais dela foram transferidos de uma cova anônima para um columbário com uma placa onde se pode ver seus icônicos desenhos de flores.
Prairie School: a Escola da Pradaria
Marion é considerada um dos membros originais da Prairie School (ou The Chicago Group), estilo arquitetônico do fim do século 19 e início do século 20 no centro-oeste dos Estados Unidos.
Além dela, arquitetos empregados ou influenciados por Louis Sullivan ou Frank Lloyd Wright pertencem ao grupo, como o próprio Griffin, o primo Dwight, além de Francis Barry Byrne, George Washington Maher, William Eugene Drummond, entre outros.
Projetada por Frank Lloyd Wright e localizada em Highland Park, Illinois, a Casa Ward Willits é um exemplar da Escola da Pradaria
JeremyA/Wikimedia Commons
A escola é marcada por projetos de linhas horizontais de plantas abertas que fazem uso de elementos artesanais e indígenas. Além de serem integrados à paisagem, esses projetos deveriam estar em harmonia com a decoração e ao paisagismo circundante – razão pela qual alguns dos arquitetos representantes também projetaram interiores.
Ademais, o estilo reflete a disciplina no uso de ornamentos (como madeira esculpida, estêncil em gesso, vidro colorido, etc.) e evoca as extensões amplas e planas da paisagem de pradaria — prairie, em inglês, significa “pradaria”.
De autoria de Dwight Perkins, o Café Brauer de Chicago é considerado um exemplo notável da Escola de Arquitetura Prairie
Victorgrigas/Wikimedia Commons
Distinta dos revivals históricos populares à época, a Prairie School compartilhava ideais dos movimentos modernistas e do Movimento de Artes e Ofícios, embora não dispensasse o uso de máquinas.
“Acredito que os arquitetos de Chicago queriam criar uma arquitetura estadunidense distinta. O contexto era o clima intelectual da profissão na cidade e o alto grau de interação e troca de ideias facilitado pelo Chicago Architectural Club e pela Chicago Arts and Crafts Society”, comenta Stuart.
Marion Mahony e Walter Burley Griffin ajudaram a disseminar o conceito da Prairie School para muito além do centro-oeste estadunidense, vide os seus projetos na Austrália e na Índia.
Localizada em Elmhurst, Illinois, a Casa William H. Emery Jr. foi projetada por Walter Burley Griffin e também pertence à Escola da Pradaria
G LeTourneau/Wikimedia Commons
Mesmo depois de seu afastamento, Marion e Frank seguiram partilhando os valores e ideias semelhantes, o que se reflete em projetos que dialogam entre si. Isso pode ter contribuído para a apatia entre eles e até a ofensa de “imitadores” por parte de Frank.
Para David, a discussão sobre a tensão entre os arquitetos tem sido feita, muitas vezes, de forma controversa e inconsistente. “Marion e seu (na época) marido Griffin estavam muito confiantes em seu próprio talento em design e não repetiram as soluções de Frank enquanto ele estava com seu novo amor na Europa”, afirma.
Ainda segundo ele, o casal não atuou apenas como “um lápis na mão de Frank”, e nenhum dos assistentes do arquiteto chegou perto do sucesso obtido pelos Griffin.
Legado de Marion Mahony
Há muito o que se admirar na história de Marion, a começar pelo pioneirismo em sua formação num momento em que mulheres eram dissuadidas a ocupar certos espaços.
“Ela estava determinada a exercer uma profissão que não dava espaço para mulheres. No entanto, é triste que ela tenha promovido constantemente o trabalho do marido em detrimento ao seu próprio. A visão dela da casa em seu ambiente natural era única, rivalizando com a de Frank Lloyd Wright”, comenta Stuart.
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o
Já David acredita que Marion estava à frente do seu tempo, vendo a arquitetura como uma forma de inventar soluções (em oposição à aplicação de um sistema de estilo).
Para ele, a importância do trabalho dela também estava no ato de “costurar figurinos para os ‘personagens’ arquitetônicos no teatro de Frank, e depois, de Griffin”.
Foi lá, por exemplo, que Frank Lloyd Wright desenvolveu grande parte de sua obra e se estabeleceu como um dos principais nomes da arquitetura moderna estadunidense. Dele muito se sabe, e a grandeza de seu trabalho e sua influência foi extensivamente documentada e repercutida.
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Mas hoje vamos falar sobre outro nome, muitas vezes ofuscado pelas narrativas: Marion Mahony. Principal renderizadora do escritório de Frank, ela ocuparia a função de projetista-chefe caso os títulos modernos fossem aplicados, e ajudou a “traduzir” as ideias dele para o público geral por meio de seus desenhos românticos.
Mais que isso, porém, ela foi a segunda arquiteta a se formar pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e se tornou a primeira arquiteta licenciada em Illinois. Mais tarde, ao lado de seu marido Walter Burley Griffin, ela colaboraria para projetos na Índia e desenvolveria o projeto de Canberra, capital da Austrália.
Infância e juventude de Marion Mahony
Marion Mahony nasceu em Chicago em 1871 como a segunda dos cinco filhos da professora Clara Hamilton e do jornalista, poeta e professor Jeremiah Mahony. Seis meses após o seu nascimento, ela e sua família foram obrigadas a se mudar para o município vizinho Winnetka, devido ao Grande Incêndio de Chicago, que destruiu boa parte da cidade.
Neste subúrbio, Marion passou os seus primeiros anos de vida cercada por natureza intocada e uma comunidade utilitarista vivaz. Depois da morte de seu pai em 1882, ela foi criada por sua mãe, tia e avó, mulheres livres-pensadoras imersas no protestantismo liberal e no movimento progressista da região.
Essa influência por modelos femininos seguiu ao longo de sua vida. Quando a sua mãe se tornou diretora de uma importante escola pública em Chicago e passou a se envolver com reformadores sociais e intelectuais, Marion se aproximou da política e ativista Anna Wilmarth. Foi ela quem financiou pessoalmente a educação de Marion no MIT – a primeira escola de arquitetura dos Estados Unidos a fazer parte de uma universidade – e transformou para sempre a vida da então estudante.
Marion Mahony foi a segunda mulher a se formar em arquitetura pelo MIT (foto). Segundo Stuart Cohen, esta foi a primeira escola de arquitetura dentro de uma universidade
Flickr/ochinko/Creative Commons
A busca pelo diploma ainda foi inspirada por Dwight Perkins, seu primo que também era formado em arquitetura. Após a graduação de Marion, ele a convidou para trabalhar em seu escritório em Chicago, onde ela começou a contribuir como renderizadora em 1894.
“Ela ganhou um emprego quando seu primo abriu o próprio escritório, enquanto Daniel Burnham estava ocupado com o escritório montado para a Feira Mundial de Chicago de 1893″, afirma o arquiteto Stuart Cohen, autor do livro “Frank L. Wright e os Arquitetos do Steinway Hall”.
Ele acrescenta que Marion foi a responsável pelos desenhos de construção do Steinway Hall – a primeira encomenda de Dwight e um prédio que acabou se tornando conhecido pelos escritórios de arquitetura que sediava.
O encontro de Marion Mahony com Frank Lloyd Wright
Foi no Steinway Hall que nasceu a amizade e a colaboração profissional entre Marion e Frank. Edifício renascentista italiano de 11 andares, o prédio teve seus níveis superiores ocupados por arquitetos repletos de ideias sobre uma nova arquitetura estadunidense. Alguns desses nomes incluem Robert Spencer, Lawrence Buck, Myron Hunt, e os próprios Dwight e Frank.
“Quando o Steinway Hall foi concluído, Frank foi um dos arquitetos que Dwight convidou para compartilhar seu estúdio no último andar do edifício. Quando Dwight ficou sem trabalho para Marion, Wright a contratou”, conta Stuart.
Considerado um dos mais importantes arquitetos do século 20, Frank Lloyd Wright contratou Marion Mahony como renderizadora em seu escritório no início da carreira dela. Foto do World Telegram & Sun, por Al Ravenna
Mustafagunes2/Wikimedia Commons
Ali se iniciou uma relação frutífera e valorosa a ambas as partes: de um lado, Frank se beneficiou do estilo visual de Marion, seu talento na arte e expertise nas renderizações arquitetônicas, que o ajudaram a vender os seus projetos. Por sua vez, interpretar e renderizar as obras do arquiteto ajudou Marion a desenvolver as suas habilidades ainda no início de sua carreira.
“É difícil separar as contribuições de Marion para a obra de Frank. Os primeiros desenhos de apresentação dela provavelmente influenciaram o estilo de desenho dele”, diz Stuart.
O desenho da Casa KC DeRhodes (1906), localizada em South Bend, no estado de Indiana, é uma boa ilustração desta influência mútua. Nele, é possível notar que Marion foi tocada pela paixão de Frank pela arte japonesa, ainda mais evidente após uma viagem realizada ao Japão em 1905 – de onde ele voltou com uma vasta coleção de xilogravuras, muitas delas do pintor Utagawa Hiroshige.
Steinway Hall, edifício projetado pelo arquiteto Dwight Perkins e sede de importantes escritórios de arquitetura em Chicago
RGKMA/Wikimedia Commons
Alguns elementos do desenho representados no papel acenam para esta influência, como o pardal no canto inferior esquerdo, os galhos, as árvores e as flores. Um olhar mais cuidadoso vai notar que, também no canto inferior esquerdo, Marion ousou assinar o desenho com o monograma “MLM” (Marion Lucy Mahony).
Por sua vez, Frank escreveu no lado oposto: “Desenho de Mahony. Segundo FLLW e Hiroshige”, reconhecendo o estilo japonês de sua colaboradora. Você pode conferir esta imagem na página da Fundação Frank Lloyd Wright.
“Muito provavelmente, a ideia de floreiras contínuas formando grades de varanda com a folhagem pendurada foi dela”, afirma Stuart, desta vez sobre o projeto da Casa Stephen M. B. Hunt.
Casa Stephen M. B. Hunt, projetada por Frank Lloyd Wright, cujas floreiras provavelmente foram ideia de Marion Mahony, segundo o arquiteto Stuart Cohen
Finavon/Wikimedia Commons
Mas é importante reforçar que os ofícios de Marion e Frank não eram os mesmos: ela trabalhava como renderizadora e, portanto, produzia os desenhos que comunicavam ao público geral (não-profissional) o que eles estavam propondo construir.
É isso que explica David Van Zanten, professor emérito de Arte e História da Arte na Universidade Northwestern e editor do livro “Marion Mahony Reconsidered”. Quando perguntado sobre a influência de Marion no trabalho de Frank, ele diz: “Honestamente, pouco ou nada. Ela havia sido treinada no estilo ‘Beaux-Arts’ e não há nada disso em seu trabalho para Frank. Mas ela era uma artista gráfica maravilhosa e não sabemos até que ponto a sua interpretação, em muitos sentidos da palavra, dos designs dele influenciou nossa compreensão de sua obra [de Frank]”.
Estúdio de Frank Lloyd Wright em Oak Park, onde ele trabalhou depois da temporada no Steinway Hall e foi acompanhado por Marion Mahony
Philip Turner/Wikimedia Commons
Também existem suposições de que Marion tenha desempenhado um papel importante na atração e no relacionamento com clientes, com registros de visitas a terrenos como representante do escritório de Frank e evidências de sua participação nos designs e apresentações dos projetos.
Além disso, parecia haver uma admiração e um respeito recíproco entre a dupla durante os anos em que trabalharam juntos. “Quando ele construiu seu estúdio em Oak Park, Marion trabalhou para ele. Outros funcionários do estúdio alegaram que ela foi a única que o questionou sobre suas ideias e que desempenhou um papel fundamental na concepção da obra”, afirma Stuart.
O relacionamento entre Marion e Frank foi construtivo até 1909, quando o arquiteto partiu para a Europa para produzir um portfólio de seus trabalhos com o editor alemão Ernst Wasmuth. Ironicamente, grande parte do que se tornou este compêndio – que estabeleceu Frank como gênio da arquitetura e influenciou modernistas europeus – tem origem nos desenhos de Marion.
Quando Frank Lloyd Wright deixou a mulher Catherine “Kitty” Tobin por Mamah Borthwick Cheney e partiu para a Europa, a relação de amizade e colaboração com Marion Mahony estremeceu
Frank Lloyd Wright Preservation Trust/GettyImages
Foi também neste momento que Frank deixou a sua primeira esposa, Catherine “Kitty” Tobin por Mamah Borthwick Cheney. O adultério provavelmente foi um problema para Marion, que era próxima a Catherine, e estremeceu a amizade entre os arquitetos.
Durante o período de Frank na Europa, Marion continuou trabalhando em seu escritório por um tempo, concluindo encomendas como a Casa Amberg (Gran Rapids, Michigan), a Casa Robert Mueller (Decatur, Illinois) e a Casa Adolph Mueller (também em Decatur, Illinois).
Depois que o escritório em Oak Park fechou, em 1909, Marion voltou a trabalhar no Steinway Hall. Lá, ela reencontrou o antigo colega Walter Burley Griffin, que trabalhava para o escritório do primo Dwight Perkins, e com ele se casou em 1911. Juntos, o casal fundou um escritório de arquitetura próprio.
Temporada de Marion Mahony na Austrália
Foi Marion quem convenceu o marido a submeter, em 1911, uma proposta ao concurso internacional para projetar Canberra, a nova capital da Austrália. Rico em desenhos e detalhes, o trabalho dela ajudou a vender as ideias do seu marido para uma “cidade ideal” – um lugar que, surpreendentemente, ela nunca havia estado.
Walter Burley Griffin e Marion Mahony venceram o concurso para projetar a cidade de Canberra, na Austrália, que eventualmente concretizou muitos dos planos básicos planejados pelo casal
Flickr/Jo Shaw/Creative Commons
Eles acabaram vencendo a competição e se mudaram para a Austrália em 1914, onde construíram uma carreira bem-sucedida. Ainda que muitas ideias específicas tenham sido alteradas à medida que a cidade era construída, os planos básicos que Marion e Griffin desenvolveram para Canberra foram eventualmente concretizados.
O casal estabeleceu escritórios de sucesso em Melbourne e Sydney – nesta última cidade, projetaram o subúrbio experimental de Castlecrag em 1920, que existe até hoje. Já nos anos 1930, o casal passou um tempo em Lucknow, na Índia, onde Griffin estava projetando uma biblioteca universitária.
Aquarela do projeto de Canberra que foi submetida à competição e produzida por Marion Mahony segundo as ideias de Walter Burley Griffin. A perspectiva é a vista do cume do Monte Ainslie
File Upload Bot (Magnus Manske)/Wikimedia Commons
Embora seja dito que Marion foi ofuscada também na relação de trabalho com seu marido, as fontes entrevistadas para esta matéria discordam. Para David, por exemplo, é fundamental lembrar que o trabalho de cada um era distinto. “Eles não faziam a mesma coisa. Ele construía prédios. Ela imaginava cidades, assim como maravilhosas paisagens ‘fantasiosas’”, diz.
“Se você estivesse aqui em Evanston, Illinois, eu a levaria a uma escola onde o primo dela dava aulas para crianças e poderíamos ver uma parede inteira pintada por ela no final da vida, com céu azul e nuvens, pássaros e flores multicoloridas. Foi nisso que ela se estabeleceu novamente no final da década de 1930″, completa David.
Marion Mahony Griffin e Walter Burley Griffin jardinando no quintal da casa “Pholiota”, em Heidelberg, Victoria, no ano de 1918
Sumita Roy Dutta/Wikimedia Commons
Já Stuart diz que Marion atuava como uma colaboradora, e que portanto é difícil distinguir as contribuições de cada. “Ela sempre o honrou e acreditava que ele era um grande arquiteto, cujo trabalho era mais importante que o de Frank Lloyd Wright”, acrescenta.
Griffin morreu em 1937 enquanto trabalhava na Índia. Depois disso, Marion não permaneceu muito tempo na Austrália: com quase 70 anos, ela retornou aos Estados Unidos, mas praticamente encerrou a sua carreira arquitetônica.
Walter Burley Griffin e Marion Mahony. Enquanto ela se entendia como uma desenhista e renderizadora, Griffin atuava como o arquiteto (eventualmente, de uma cidade inteira, cuja construção ele testemunhou)
WikiPedant/Wikimedia Commons
“Após o seu retorno a Chicago, ela trabalhou como designer e muralista, mas informalmente. Ela executou um mural de 10 metros de comprimento, com cores vibrantes, representando topos de montanhas e o céu, na parede de um prédio”, conta David.
Outra importante atividade de seus últimos anos de vida foi a produção de um enorme volume de 1.400 páginas e 650 ilustrações intitulado “A Magia da América”, no qual Marion detalha a sua vida profissional e a de Griffin. Um manuscrito depositado no Instituto de Arte de Chicago em 1949 foi digitalizado.
Túmulo de Marion Mahony Griffin (1871–1961) no Cemitério Graceland, em Chicago
Nick Number/Wikimedia Commons
Marion Mahony morreu como indigente em 1961, em Chicago, aos 90 anos. As suas cinzas foram enterradas sem lápide no Cemitério de Graceland, onde outros importantes arquitetos renomados foram sepultados – Louis Sullivan, Daniel Burnham e Mies van der Rohe.
Posteriormente, os restos mortais dela foram transferidos de uma cova anônima para um columbário com uma placa onde se pode ver seus icônicos desenhos de flores.
Prairie School: a Escola da Pradaria
Marion é considerada um dos membros originais da Prairie School (ou The Chicago Group), estilo arquitetônico do fim do século 19 e início do século 20 no centro-oeste dos Estados Unidos.
Além dela, arquitetos empregados ou influenciados por Louis Sullivan ou Frank Lloyd Wright pertencem ao grupo, como o próprio Griffin, o primo Dwight, além de Francis Barry Byrne, George Washington Maher, William Eugene Drummond, entre outros.
Projetada por Frank Lloyd Wright e localizada em Highland Park, Illinois, a Casa Ward Willits é um exemplar da Escola da Pradaria
JeremyA/Wikimedia Commons
A escola é marcada por projetos de linhas horizontais de plantas abertas que fazem uso de elementos artesanais e indígenas. Além de serem integrados à paisagem, esses projetos deveriam estar em harmonia com a decoração e ao paisagismo circundante – razão pela qual alguns dos arquitetos representantes também projetaram interiores.
Ademais, o estilo reflete a disciplina no uso de ornamentos (como madeira esculpida, estêncil em gesso, vidro colorido, etc.) e evoca as extensões amplas e planas da paisagem de pradaria — prairie, em inglês, significa “pradaria”.
De autoria de Dwight Perkins, o Café Brauer de Chicago é considerado um exemplo notável da Escola de Arquitetura Prairie
Victorgrigas/Wikimedia Commons
Distinta dos revivals históricos populares à época, a Prairie School compartilhava ideais dos movimentos modernistas e do Movimento de Artes e Ofícios, embora não dispensasse o uso de máquinas.
“Acredito que os arquitetos de Chicago queriam criar uma arquitetura estadunidense distinta. O contexto era o clima intelectual da profissão na cidade e o alto grau de interação e troca de ideias facilitado pelo Chicago Architectural Club e pela Chicago Arts and Crafts Society”, comenta Stuart.
Marion Mahony e Walter Burley Griffin ajudaram a disseminar o conceito da Prairie School para muito além do centro-oeste estadunidense, vide os seus projetos na Austrália e na Índia.
Localizada em Elmhurst, Illinois, a Casa William H. Emery Jr. foi projetada por Walter Burley Griffin e também pertence à Escola da Pradaria
G LeTourneau/Wikimedia Commons
Mesmo depois de seu afastamento, Marion e Frank seguiram partilhando os valores e ideias semelhantes, o que se reflete em projetos que dialogam entre si. Isso pode ter contribuído para a apatia entre eles e até a ofensa de “imitadores” por parte de Frank.
Para David, a discussão sobre a tensão entre os arquitetos tem sido feita, muitas vezes, de forma controversa e inconsistente. “Marion e seu (na época) marido Griffin estavam muito confiantes em seu próprio talento em design e não repetiram as soluções de Frank enquanto ele estava com seu novo amor na Europa”, afirma.
Ainda segundo ele, o casal não atuou apenas como “um lápis na mão de Frank”, e nenhum dos assistentes do arquiteto chegou perto do sucesso obtido pelos Griffin.
Legado de Marion Mahony
Há muito o que se admirar na história de Marion, a começar pelo pioneirismo em sua formação num momento em que mulheres eram dissuadidas a ocupar certos espaços.
“Ela estava determinada a exercer uma profissão que não dava espaço para mulheres. No entanto, é triste que ela tenha promovido constantemente o trabalho do marido em detrimento ao seu próprio. A visão dela da casa em seu ambiente natural era única, rivalizando com a de Frank Lloyd Wright”, comenta Stuart.
Leia mais
o
Já David acredita que Marion estava à frente do seu tempo, vendo a arquitetura como uma forma de inventar soluções (em oposição à aplicação de um sistema de estilo).
Para ele, a importância do trabalho dela também estava no ato de “costurar figurinos para os ‘personagens’ arquitetônicos no teatro de Frank, e depois, de Griffin”.