Móveis Cimo: a história da icônica fabricante que marcou o design brasileiro

Mais do que uma fabricante de mobiliário, a Móveis Cimo S.A. foi um símbolo da industrialização brasileira e marco no design nacional. Fundada em 1913, no então distrito de São Bento do Sul, atual cidade de Rio Negrinho, SC, por Willy Jung e Jorge Zipperer, a empresa começou como uma pequena serraria e se transformou na maior fabricante de móveis da América Latina durante o século 20.
Leia mais
De acordo com Augusto Meurer, designer à frente do Estúdio Ambos e pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR), esse crescimento esteve ligado à compra de móveis pelo Estado para equipar repartições públicas, escolas e universidades. Essa presença institucional, segundo ele, “contribuiu para que os mobiliários ocupassem lugar significativo na memória coletiva de diferentes regiões do Brasil”.
O anfiteatro do Colégio Estadual do Paraná, em Curitiba, foi equipado com cadeiras da Móveis Cimo
Acervo do Colégio Estadual do Paraná/Universidade do Estado de Santa Catarina/Reprodução
Para João Livoti, designer industrial da Desmobília, conhecido por garimpar e estudar peças da Móveis Cimo, a marca teve papel fundamental no design brasileiro. Ele destaca que a Cimo foi a maior fábrica do país nas décadas de 1940 e 1950, tanto em estrutura quanto em número de funcionários. Segundo ele, “mesmo produzindo em escala industrial, nunca abriu mão do cuidado com o design”.
O conjunto de jantar da Móveis Cimo, composto por mesa e seis cadeiras, destaca-se pela combinação de diferentes tipos de madeira, uma característica marcante do design da fabricante. Restaurado pela Desmobilia, o conjunto preserva a estética original das peças,
Desmobilia/Divulgação
A empresa apostava em estilos variados e diferentes tipos de madeira. “Essa combinação de escala e sensibilidade projetual é o que torna a Cimo um marco na história do mobiliário nacional”, afirma João.
Das florestas ao design moderno
A localização estratégica da Cimo era propícia para esse tipo de empreendimento. De acordo com Augusto, a cidade de Rio Negrinho foi colonizada sobretudo por imigrantes germânicos que trouxeram conhecimentos sobre marcenaria e carpintaria. “Somado a isso, as matas de araucária da região propiciaram a abundância de matéria-prima”, enfatiza.
O conjunto de mesa e cadeiras da década de 1960 é da extinta loja Móveis Cimo. Projeto da moradora, a designer de acessórios Jana Favoreto
Eik Sorgi/Editora Globo
Em 1921, dois anos após a morte de Willy Jung, Martin Zipperer se juntou ao irmão Jorge. Inicialmente, a empresa produzia caixas de madeira e móveis simples, mas com o tempo passou a investir em design próprio, maquinário moderno e processos industriais avançados.
“Nas primeiras décadas de funcionamento, eram desenvolvidos mobiliários que remetiam ao estilo art déco, popular na Europa no início do século 20”, conta Augusto.
Imagem antiga mostra sala de aula do Colégio Estadual do Paraná, em Curitiba, equipada com móveis da Móveis Cimo
Acervo do Colégio Estadual do Paraná/Universidade do Estado de Santa Catarina/Reprodução
Em meados da década de 1940, após a morte de Jorge, a marca expandiu com fábricas nas cidades de Curitiba, PR, e Joinville, SC, e passou a operar com linhas de produção inspiradas no modelo fordista, com milhares de funcionários e exportações para diversos países.
O número de trabalhadores, que na década de 1920 era de 60, chegou no ano de 1945 a 5 mil, e o volume de produção no mesmo período atingiu a marca de 500 mil unidades mensais de cadeiras escolares.
As poltronas fazem parte do conjunto chamado Pé Foguete, que ainda conta com um sofá no mesmo estilo. Na foto, a peça restaurada pela Desmobilia
Desmobilia/Divulgação
Foi apenas em 1954 que a marca adotou oficialmente o nome Móveis Cimo S.A., após a formação de uma corporação resultante da união de sete fábricas de móveis.
“Sua trajetória, que se estende por mais de setenta anos de produção, é notável. Essa história é épica e exemplar, simbolizando o espírito empreendedor e a capacidade industrial do Brasil no período moderno, além de deixar um legado duradouro para o design e a marcenaria nacionais”, diz João.
Neste banheiro, a bancada é um antigo aparador da extinta Móveis Cimo garimpada na Galeria Teo. Projeto dos escritórios Fernanda Vargas Arquitetura e Studio Lins
André Nazaré/Divulgação
Características dos móveis da Cimo
A principal característica dos Móveis Cimo, de acordo com João, é a qualidade dos produtos. A empresa utilizava madeiras de lei maciças e adotava processos de desenho e montagem que garantiam alta durabilidade. Além disso, a companhia explorava diferentes tonalidades das madeiras em um mesmo móvel, algo avançado para a época.
Os móveis da Móveis Cimo são tradicionalmente identificados com o logotipo da marca, geralmente aplicado em etiquetas metálicas, carimbos ou gravações na madeira
Desmobilia/Divulgação
“Não é raro encontrar peças com mais de 70 anos que, após um breve restauro, parecem ter acabado de sair da fábrica”, comenta João. Para ele, essa combinação de robustez, precisão construtiva e atemporalidade faz com que os mobiliários da Cimo continuem valorizados.
A marcação da Cimo não só autentica a peça como também reforça o legado da fabricante, facilitando o reconhecimento de itens originais
Desmobilia/Divulgação
O itens da Cimo são fáceis de identificar, pois todos eram selados com o logotipo da marca e tinham as partes numeradas em baixo-relevo. “Esse sistema de identificação era aplicado diretamente na madeira, o que assegura autenticidade mesmo após décadas de uso. Em outras palavras, uma peça original da Cimo sempre carrega suas marcas de origem”, destaca João.
O auge: inovação e elegância
Entre as décadas de 1950 e 1970, a Cimo viveu seu período de ouro. Seus móveis — cadeiras, poltronas, estantes e aparadores — tornaram-se sinônimo de bom gosto e qualidade. Com forte influência do design escandinavo, as peças combinavam simplicidade, funcionalidade e beleza.
A poltrona, o banco e a cadeira modelo 210 da Móveis Cimo, produzidos em madeira maciça, refletem o estilo modernista brasileiro dos anos 1950 e 1960
Desmobilia/Divulgação
Para João, a fase mais próspera da Cimo, em termos de design, foi entre 1950 e 1960, quando o modernismo brasileiro estava em plena expansão. Nesse período, a fábrica produzia móveis em madeiras nobres, com linhas versáteis e uma grande variedade de modelos lançados.
“A Cimo teve um papel importante ao tornar o design moderno mais acessível, ajudando as pessoas da época a valorizarem o bom desenho, os materiais de qualidade e a funcionalidade”, reforça.
Neste dormitório, a mesa lateral, da década de 1950, produzida pela Móveis Cimo, traz personalidade ao projeto do escritório Casulo
Joana França/Editora Globo
A partir dos anos 1950, houve uma ruptura no processo criativo. A Cimo contratou designers estrangeiros: inicialmente o holandês Han Pieck e, anos mais tarde, em substituição, o francês Émile Henri Scoffoni. Assim, os móveis — antes desenvolvidos pelo proprietário e por funcionários marceneiros — passaram a ser desenhados por equipes desvinculadas da produção.
“Com esse afastamento, surgiram linhas com estilos similares aos mobiliários que se popularizaram nos Estados Unidos na década de 1950, com cores vibrantes e pés palitos. Ainda assim, parte do mobiliário art déco continuou a ser produzido até o fim da empresa”, conta Augusto.
A Móveis Cimo encerrou suas atividades há mais de 30 anos, mas permanece na memória afetiva de muitas pessoas
Junior Schueller/Wikimedia Commons
Para o pesquisador, o crescimento da empresa esteve relacionado às políticas desenvolvimentistas de industrialização do país e à compra de itens para mobiliar espaços públicos das cidades em ascensão. “O êxodo rural e o crescimento populacional do Brasil fizeram com que centros urbanos em diferentes regiões multiplicassem seu tamanho. Esse aumento esteve acompanhado da criação de espaços públicos e privados que necessitavam de mobiliário, como salas de cinema e teatros”, relata.
Peças icônicas da Cimo
Entre as peças mais icônicas da Móveis Cimo estão cadeiras, poltronas e estantes. A linha juvenil produzida na década de 1950 foi uma das mais emblemáticas: o conjunto era composto por cama, berço, mesa lateral, guarda-roupa e cômoda — todos em imbuia maciça, com detalhes em bolas de vinil amarelo aplicadas.
Imagem antiga detalha os móveis que integravam o conjunto do dormitório juvenil da Móveis Cimo
Desmobilia/Divulgação
“O projeto é notável tanto pelo desenho equilibrado quanto pela inteligência funcional. Um fato curioso é que a cor amarela foi escolhida por ser neutra em termos de gênero, visto que o mobiliário foi pensado para atender tanto meninos quanto meninas — algo avançado para a época. As famílias tinham, em geral, vários filhos, e o mesmo conjunto era usado por diferentes gerações”, destaca João.
O conjunto 6.230, da linha Juvenil da Móveis Cimo, tinha detalhes em amarelo para ser atemporal
Desmobilia/Divulgação | Montagem: Casa e Jardim
Entre as peças mais icônicas, também se destacam:
Cadeira modelo 1001
Fabricada nos anos 1950, a cadeira mais vendida e carro-chefe da empresa, construída a partir de sobras de madeira de caixas, é hoje muito procurada por colecionadores. Tem estrutura em imbuia maciça e assento e encosto em compensado multilaminado.
A cadeira modelo 1001, da Móveis Cimo, é um clássico do mobiliário brasileiro, reconhecida por seu design simples e funcional
Cutterman Company/Reprodução
Móvel bar modelo 7243
Também fabricado nos anos 1950, é reconhecido pelo design escultural e a combinação de jacarandá, pau-marfim e multilaminado curvo, característico do design moderno brasileiro.
Móvel bar modelo 7243, um dos ícones da Móveis Cimo, restaurado pela Desmobilia
Desmobilia/Divulgação
Namoradeira / banco Nº 210
Considerada uma das peças mais clássicas e ergonômicas da empresa, é feita inteiramente em imbuia maciça e laminada.
O banco modelo 210, da Móveis Cimo, era amplamente utilizado em ambientes residenciais e institucionais
Desmobilia/Divulgação
Cadeira Cimo Nº 210
Toda em imbuia multilaminada, curvada a vapor, a peça também é muito valorizada no mercado de antiguidades.
A cadeira Nº 210, da Móveis Cimo, ajudou a consolidar a marca como referência em qualidade e inovação no design nacional
Desmobilia/Divulgação
Poltrona modelo 8.137
Produzida originalmente em 1955, a poltrona se destaca pelo formato simples e marcante, com estrutura curva em imbuia maciça e assento e encosto estofados.
Poltrona modelo 8.137, da Móveis Cimo, restaurada pela Desmobilia
Desmobilia/Divulgação
Cadeira Cimo modelo 7.220
Com grande valor de revenda no mercado de móveis antigos, a peça utiliza a revolucionária técnica de multilaminado curvado a vapor.
A cadeira modelo 7.220 é outra peça clássica da antiga fabricante Móveis Cimo
Desmobilia/Divulgação
Curiosidades da Cimo
Seus móveis eram vendidos em todo o Brasil e exportados para a América Latina, Europa e Estados Unidos.
A empresa foi pioneira em campanhas publicitárias que destacavam o design e a durabilidade dos produtos.
Laminação a vapor: a Cimo foi a primeira companhia no Brasil a usar a tecnologia austríaca para envergar madeiras a vapor, moldando lâminas para criar assentos e encostos curvos.
O declínio e o fim de uma era
Nos anos 1980, tempos após a morte de Martin Zipperer, a Cimo começou a enfrentar dificuldades. A abertura econômica do Brasil, a concorrência com móveis importados e a falta de renovação tecnológica afetaram sua competitividade.
Imagem antiga mostra propaganda da Móveis Cimo, com endereço de lojas e valores dos produtos
Desmobilia/Divulgação
Em 1992, após quase 79 anos de história, a empresa encerrou suas atividades. O fechamento deixou um vazio na indústria moveleira nacional, mas também consolidou o legado da marca.
Leia mais
O pesquisador Augusto aponta que o fim da Cimo está ligado à adoção tardia da madeira aglomerada e às dívidas causadas por um incêndio na fábrica de Joinville, SC. O impacto foi sentido principalmente em Rio Negrinho, onde grande parte da população dependia da empresa.
As poltronas da Móveis Cimo, compradas no Antiquário Cristiano Ross, decoram o living. Projeto do escritório Küster Brizola Arquitetos
Eduardo Macarios/Divulgação
A situação dos operários se agravou, como mostra uma reportagem de fevereiro de 1982: “Eles estão vendendo tudo para comprar comida […]. Não há mais condições de higiene para o trabalho”, disse José Lourenço Machado, então presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Rio Negrinho, em entrevista concedida ao jornal A Notícia.
Restauração dos mobiliários Cimo
Atualmente, as peças da Cimo são verdadeiros tesouros e muitas passam por cuidadosos processos de restauro. “O maior desafio é encontrar materiais compatíveis para reposição, especialmente nas madeiras nobres como jacarandá e caviúna, que hoje estão praticamente extintas ou de uso restrito. A restauração exige extremo cuidado para manter a integridade e a aparência original, buscando soluções que respeitem o desenho e a história de cada móvel sem comprometer sua autenticidade”, explica João.
Antes e depois da Poltrona 8.137, da Móveis Cimo, restaurada pela Desmobilia, revelando a composição original da peça
Desmobilia/Divulgação | Montagem: Casa e Jardim
“Em um cenário de obsolescência programada cada vez mais presente na fabricação de móveis, principalmente de baixo custo, é importante olhar para esse tipo de produção como um modelo a ser seguido”, enfatiza Augusto.
Legado e importância para o setor
A Cimo é lembrada como precursora do design industrial brasileiro. Suas peças são hoje disputadas por colecionadores e valorizadas no mercado vintage. Museus, antiquários e designers reconhecem a importância da marca na construção de uma identidade estética nacional.
Feito em madeira nobre, o icônico balcão bar Boomerang, da extinta fabricante Cimo, resgata o charme do design brasileiro do século 20
Desmobilia/Divulgação
Gerações de fabricantes e designers foram influenciados pela Cimo, elevando o padrão de qualidade e inovação no setor moveleiro. Sua história é um exemplo de como visão empreendedora, respeito à matéria-prima e investimento em design podem transformar uma empresa em ícone cultural.
Poltrona baixa da Móveis Cimo, restaurada pela Desmoblia, resgata a estrutura em madeira maciça
Desmobilia/Divulgação
Atualmente, a Cimo voltou a receber reconhecimento. “As peças passaram a ser vistas não apenas como móveis antigos, mas como referências de qualidade, proporção e desenho industrial. Essa redescoberta tem inspirado muitos designers contemporâneos, que encontram na Cimo um exemplo de como unir técnica, funcionalidade e beleza de forma duradoura”, coloca João.
Leia mais
“A marca demonstrava que é possível produzir mobiliário de alta qualidade dentro de uma visão industrial, sem depender exclusivamente da execução artesanal. Essa combinação entre precisão técnica, racionalidade produtiva e atenção ao detalhe mostra que o bom design pode nascer tanto da oficina quanto da fábrica — desde que haja propósito e respeito pelos materiais”, ele acrescenta.
Cimo na atualidade
A Móveis Cimo continua na memória afetiva de muitas pessoas. Além disso, já ganhou exposições e foi tema de diversas pesquisas. Recentemente, foi inaugurada uma exibiçião sobre a empresa em Rio Negrinho, que conta com mobiliários e murais sobre a sua história. “Fica em uma vitrine a céu aberto na praça central da cidade e, assim, pode ser visitada a qualquer momento”, relata Augusto.
Outra iniciativa similar já foi realizada em 2010, na 3ª Bienal Brasileira de Design ocorrida em Curitiba, com a mostra Memória da Indústria: o caso Cimo, sob curadoria de Maria Angélica Santi.
Neste ambiente, destaque para as cadeiras da Cimo, de garimpo pessoal do morador. Projeto da designer de interiores Nadine Chiquiloff Torres
Eduardo Macarios/Divulgação
Além disso, os itens da Cimo podem ser vistos em diversas repartições públicas. Na UFPR, por exemplo, no campus da reitoria, há diversas salas e auditórios com mobiliários da companhia.
Também foi tema de diversas pesquisas e publicações, dentre elas o livro Mobiliário Brasileiro: origens da produção e da industrialização, da pesquisadora Maria Angélica Santi; e o trabalho de mestrado Detalhistas da Móveis Cimo em Curitiba (1966-1975): memória do trabalho em design de móveis, do pesquisador Augusto Meurer, que investigou a prática projetual dos desenhistas técnicos da Cimo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima