Móveis e objetos vintage ajudam a entender não só o passado, mas também o presente

Os objetos e móveis antigos ajudam a compreender os contextos histórico, social e econômico de uma determinada época e sua sociedade Os objetos e móveis, para além de serem meros itens que compõe o ambiente da casa e do seu interior, são itens que evocam questões para entender uma determinada época. Com o passar do tempo, parte desses artigos permaneceram sendo usados, enquanto outros, caem em desuso.
Leia mais
“A mudança dos gostos dos móveis e objetos da casa fazem parte de uma trama histórica complexa, inserida em um conjunto de questões econômicas e sociais amplas, incluindo as formas de urbanização e crescimento das cidades em cada local”, salienta Ethel Leon, professora e pesquisadora de história do design e das cores.
No Brasil, isso não é diferente. Como parte das transformações vivenciadas ao longo do século 20, os mobiliários e objetos para as casas, dentro de sua multiplicidade e diversidade, foram se modificando. Parte desses itens, hoje tidos como vintage, foram comuns em parte dos lares brasileiros e, atualmente, trazem um sentimento de rememoração dos tempos passados.
O que se entende como vintage?
Uma das origens que os pesquisadores do tema identificam do termo vintage é a língua inglesa. Em rigorosa tradução, a palavra significa “safra de vinho”. Nos dicionários Oxford e Cambridge da língua inglesa, o termo faz referência ao ano ou local onde um vinho de alta qualidade foi produzido.
A prática de garimpar peças é uma das formas possíveis para decorar um ambiente com estética vintage. Mesa de centro “Água”, de Domingos Tótora, e poltrona “Paulistano”, de Paulo Mendes da Rocha, na Dpot. Poltrona “Jangada”, de garimpo. Projeto dos escritórios Piratininga Arquitetos Associados e Estúdio Rossi Arquitetos
Nelson Kon/Divulgação
“Essa definição pode ser complementada com a explicação de que vintage está relacionado àquilo que é portador da melhor qualidade e é duradouro, que apresenta características particulares, especialmente com origens no passado”, indica Ligia Battezzati, designer, doutoranda em Artes Visuais pela Universidade de São Paulo (USP) e professora do Instituto Federal do Paraná (IFPR).
O termo passou a ser muito empregado tanto no universo da moda, quanto no da decoração e do design, com múltiplas atribuições de sentido. “Nessas áreas, o vintage pode ser reconhecido pela prática do reuso dos artefatos antigos e originais, ressignificados no contexto social e cultural contemporâneo”, afirma Ligia.
Peças como a cadeira “Girafa”, de Lina Bo Bardi, são constantemente revisitadas e têm sido extremamente valorizadas no mercado nacional e internacional. A peça foi adquirida na Dpot e o projeto da reforma do ambiente é da arquiteta Beatriz Quinelato
Rafael Renzo/Divulgação | Produção: Deborah Apsan
Esses objetos identificados como de antigamente e caracterizados como o vintage ajudam a contar histórias sobre trabalho, lazer, cuidado e modernidade. “Cada objeto se torna um registro silencioso da história do país e, ao mesmo tempo, um elo emocional com as memórias mais íntimas de quem habitou os espaços”, destaca Ana Brum, doutora em Design pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), professora e diretora técnica no Centro Brasil Design.
Contexto da produção de móveis no Brasil do século 20
Apesar da possibilidade de traçar marcos e um certo percurso histórico da produção de móveis e objetos para casa, é importante evitar generalizações sobre a realidade dos lares brasileiros e os componentes do seu interior.
“Há dificuldades de se falar sobre um único tipo de mobiliário de cada período, pois essa perspectiva parte do pressuposto de um reconhecimento formal único – e isso não se faz presente em nenhum período, nem atualmente, diante da diversidade dos lares no Brasil e as disparidades existentes”, afirma Ethel Leon.
Em uma perspectiva mais ampla, portanto, no Brasil, nos anos 1930, muitas oficinas e marcenarias se faziam presentes, enquanto as indústrias de mobiliário eram menos representativas. “Havia a reprodução de móveis historicistas, que remetem a períodos históricos anteriores, mas também um certo gosto, que é difícil precisar quantitativamente, pelo art déco”, comenta Ethel.
O antigo “Cine São Luiz” ficava localizado no bairro do Catete, no Rio de Janeiro, e foi projetado pelo arquiteto Jayme Campello Fonseca Rodrigues
Instagram/@orioquenaovivi/Reprodução
Um indicativo disso é a produção por fábricas de grande porte, como a Móveis Cimo, de mobiliário art déco. O trabalho de Jayme Campello Fonseca Rodrigues e a sua atuação na elaboração de projetos de arquitetura dos cinemas de rua são exemplos também desse movimento de difusão do estilo no país.
A poltrona “Zeca” foi uma das produções de Zanine Caldas durante o período de atuação da Móveis Artísticos Z. O item continua sendo usado em projetos atuais de arquitetura, como nesse do escritório do arquiteto Rafael Ramos. No canto mais reservado da sala de jantar, destaque para a poltrona “Zeca”, comprada na Novo Ambiente
Juliano Colodeti/Divulgação
Após a Segunda Guerra Mundial, algumas experiências importantes aconteceram no Brasil nesse tipo de produção. Uma delas é a Móveis Z, de José Zanine Caldas. A fábrica, localizada em São José dos Campos, fazia produtos que também circulavam em grandes magazines da época. “Isso dá a ideia de que havia uma extensão desse gosto, que não é, portanto, voltado só para uma elite”, destaca Ethel.
Esse tipo de mobiliário também repercutia um certo ideário moderno, com o uso do compensado e redução de formas, usando os formatos chamados “feijão” e “boomerang”. “Eram formas que não foram inventadas no Brasil, mas a Móveis Artísticos Z estava traduzindo para um gosto brasileiro com mobiliários também mais acessíveis”, destaca a pesquisadora.
Conjunto de mobiliário da Móveis Artísticos Z na residência do arquiteto Clóvis Felipe Olga, na capital paulista, em 1950. Fotografia de Hans Gunter Flieg
Acervo Instituto Moreira Salles/Hans Gunter Flieg/Reprodução
A partir do governo de Juscelino Kubitschek, há uma ampliação do parque industrial, f com que o mercado consumidor, mais amplo que antes, comece adquirir bens duráveis para a casa, como geladeiras e outros eletrodomésticosa produzidos já aqui no Brasil. “A ampliação de uma classe média nesse período potencializa a criação de uma burocracia estatal e, atrelada ao gosto moderno que o cinema americano evidenciava, há um incentivo desse setor produtivo”, diz Ethel.
A partir do governo de Juscelino Kubitschek, há uma ampliação do parque industrial, fazendo com que o mercado consumidor, mais amplo que antes, comece adquirir bens duráveis para a casa, como geladeiras e outros eletrodomésticos produzidos já aqui no Brasil. “A ampliação de uma classe média nesse período potencializa a criação de uma burocracia estatal e, atrelada ao gosto moderno que o cinema americano evidenciava, há um incentivo desse setor produtivo”, diz Ethel.
O retrô e os movimentos de ressignificação do passado
O uso de peças vintage e retrô tem se feito presente em alguns projetos decorativos de ambientes contemporâneos. Projeto da especialista em mesa posta e decoração Claudia Ribeiro (Pixu)
Cacá Bratke/Editora Globo
Entendidos erroneamente como sinônimos, os termos vintage e retrô têm diferenças significativas entre si. No dicionário, a palavra retrô é definida como aquilo que vem de retrógrado para trás, no tempo passado. “O retrô pode ser considerado uma releitura dos aspectos formais do passado, mas que dispensa tecnologias atuais para sua produção”, explica Ligia.
Recentemente, a reintrodução e recuperação de objetos antigos, como a vitrola e pequenos refrigeradores com formas semelhantes àquelas vistas no passado, tem sido frequentes dentro de projetos de decoração. A maior visibilidade de antiquários e o hábito de garimpar peças antigas dialogam com esse processo de ressignificação dos objetos.
Leia mais
Para Ligia, o mobiliário, assim como os demais objetos para casa, fazem parte da cultura material e a recuperação desses itens, mais do que uma tendência, dialogam com uma camada afetiva da constituição das pessoas.
“Quando se usa móveis vintage ou retrô, é essencial medir o valor simbólico desses objetos, considerando as histórias que ele conta, os sentidos atribuídos e os vínculos afetivos que podem ser trazidos por esses itens”, comenta a pesquisadora.
Na visão de Ana Brum, esse movimento reflete uma busca por memória, autenticidade e originalidade em meio à padronização dos ambientes modernos. “Ao resgatar móveis que remetem às décadas de 1950 a 1990, muitos brasileiros se reconectam com as referências familiares, a história do design nacional e a afetividade dos lares de infância ou dos avós”, finaliza a designer.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima