Murais, oficinas e panos de prato: JAMAC leva arte à periferia de SP

O Jardim Miriam Arte Clube é uma iniciativa que atua no Jardim Miriam, na zona sul de São Paulo, promovendo oficinas e atividades culturais desde 2004 Para trazer uma concepção de arte útil e reaproximar a população de vivências artísticas e culturais, o projeto Jardim Miriam Arte Clube foi fundado. Conhecido como JAMAC, a iniciativa tem atuado desde 2004 no bairro Jardim Miriam, situado no extremo sul da capital paulista, próximo à cidade de Diadema.
O projeto foi idealizado pela artista Mônica Nador em articulação com diversos outros nomes, incluindo Mauro Pinto de Castro, líder comunitário, ex-sindicalista e professor de Geografia em algumas escolas da região. De portas-abertas para o bairro, o JAMAC convida todos que passam pela colorida fachada a participar de oficinas, cursos e palestras sobre artes visuais, cinema, games e literatura.
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A busca da arte útil e o “Paredes Pinturas”
As sementes da criação do JAMAC vem a partir de um momento de questionamento de Mônica diante da produção artística contemporânea e de seus próprios trabalhos. Formada em Artes Plásticas na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em 1983, ela cursou Arquitetura durante 2 anos na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Eumano Ferreira Veloso, em São José dos Campos.
Junto a essa segunda formação, o contato com os textos de Douglas Crimp, historiador de arte, crítico, e ativista da AIDS americano, influenciam esse olhar crítico da artista brasileira. “Ele mostra como a palavra ‘museu’ tem suas origem relacionada à palavra ‘mausoléu’. Foi algo que me marcou muito, fez-me rever tudo o que fazia, tanto que fiquei sem pintar por 10 anos”, conta Mônica.
Diante desse questionamento, a artista entendeu que era necessário buscar uma arte útil. Isto é, que rompesse o lugar de sacralidade que a arte e o artista haviam sido colocados, extrapolasse os muros do museu e estivesse próxima das pessoas no seu cotidiano. “Como fala Gil, a arte tem que estar na cesta básica do brasileiro. Não é algo extraordinário, de jeito nenhum. É ordinário, a cultura é da prática do ordinário”, afirma a artista.
No projeto “Parede Pinturas”, uma das iniciativas de Mônica Nador foi pintar as fachadas de casas tendo como inspiração motivos decorativos escolhidos pelos próprios moradores
Instagram/@monicanador/Reprodução
Com essa nova concepção do fazer artístico, Mônica começa a produzir, a partir de 1999, o seu projeto, que seria também seu mestrado: “Paredes Pinturas”. Ao invés de criar obras destinadas a galerias e museus, ela passa a usar muros e espaços urbanos como suportes para as pinturas feitas de forma colaborativa.
Foi nesse contexto que se deu o primeiro contato da artista com o Jardim Miriam e também Mauro. Após ministrar uma oficina a convite de uma ONG do bairro, Mônica conheceu o professor de geografia e, junto a ele, percebeu que, nessa nova perspectiva de conceber a arte, era importante estar dentro desse território e oferecer acesso ao fazer e o usufruir artístico.
Uma das atividades marcantes da história do JAMAC foi a exposição “Mônica Nador + JAMAC + Paço Comunidade”, no Paço das Artes em 2013, e expôs peças de roupas resultado de oficinas colaborativas de estêncil
Instagram/@monicanador/Reprodução
A partir daí, o JAMAC toma corpo e é fundado como um ponto de cultura em 2004. “A gente está em uma região que não existe equipamento de cultura ainda, mesmo com 400 mil habitantes. Quando o JAMAC surge, ele então se torna um centro de referência e as pessoas não precisam mais sair daqui para ter acesso a um espaço como esse”, afirma Thais Scabio, cineasta, educadora e integrante do projeto.
Estêncil, estampas e as artes que guiam o JAMAC
Inicialmente, Mônica conta que Mauro e demais participantes do bairro indicaram que viam como essencial oferecer um processo de formação continuada.
Diante dessa necessidade, o JAMAC começou a oferecer formações e atividades como o Café Jamac, em que convidados de diversas áreas iam até o projeto e conversavam sobre temas da arte, cultura, cidade e acesso a direitos. A proposta foi uma parceria com o Núcleo Aparecida Jerônima-Consulta Popular; e com grupos da Universidade de São Paulo, o PET Filosofia e o PET História.
O Café JAMAC traz nomes da arte, filosofia, história e diferentes áreas do conhecimento para dentro do bairro para debates interdisciplinares
Instagram/@jardim.miriam.arte.clube/Reprodução
Também eram oferecidas oficinas de pintura mural em estêncil e estamparia. “O estêncil é uma técnica simples e com recursos baratos, além de ser fácil de ser ensinada. Com ela, podemos pintar museus, paredes e panos de prato”, explica Mônica.
Expansão e novos caminhos para o JAMAC
O espaço do JAMAC oferece oficinas e também fica aberto para a comunidade
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Com o passar do tempo, as atividades do projeto foram se expandindo. “O ateliê fica sempre de portas abertas, as pessoas podem entrar e usar o espaço”, comenta Thais.
Atualmente, às quintas-feiras, durante o dia, são oferecidas oficinas de estêncil, grafite, serigrafia e xilogravura. Há também um núcleo de audiovisual, que, mediante a disponibilidade de verbas, traz oficinas de cinema, animação e games. O projeto também conta com um laboratório de estudos, chamado LEP, que discute roteiros e histórias que vem surgindo nas periferias.
A proposta é que na produção da gráfica do JAMAC, os participantes tenham autonomia na produção dos livros
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No campo da literatura, o projeto dispõe também de uma gráfica aberta ao público. “A ideia é que quem venha aqui possa pensar o que é o livro e seu processo de produção”, afirma Lucas Santana, pedagogo e educador do JAMAC.
Ele conta que a proposta é ter uma autonomia nesse processo e, após o primeiro contato, quem participa das atividades possa desenvolver por si só a produção da forma que desejar.
Esse espaço de autonomia e produção de algo que aproxima a arte do cotidiano é uma centralidade do JAMAC. Algumas produções, inclusive, partem de demandas da própria comunidade. “Isso aconteceu com os panos de prato, que começaram a ser estampados por vontade das feirantes do bairro, após conversas sobre economia criativa”, relembra Lucas.
O JAMAC participa da exposição “Sobre Vivências”, mostra de longa duração do Museu das Favelas, com a obra “Inventário: casas (pano de prato)”, parte do módulo MORAR. A obra faz parte do projeto Inventários, uma investigação do acervo de estampas criadas ao longo de 21 anos de oficinas de estêncil realizadas no Jardim Miriam Arte Clube
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Outras duas novas iniciativas foram implementadas também diante de demandas dos frequentadores do projeto. A primeira delas é o grupo terapêutico, que oferece sessões coletivas quinzenais com psicanalistas, e o desenvolvimento do podcast “Cada estampa uma história”.
O podcast se divide em um primeiro núcleo, que conta a história de cada estampa presente no espaço do arte-clube, e um segundo destinado a contar histórias das avós por meio de estampas e relatos. “Temos coletados histórias de pessoas variadas, de dentro e fora do JAMAC. O WhatsApp do projeto é aberto para receber a história das avós de todos que se interessarem”, destaca Rayana Paixão, integrante do grupo.
Quem faz o projeto e desafios
O projeto é independente e voluntário. Integram a equipe principal e fixa do projeto Mônica Nador, Bruno O., Lucas Santana, Ageu Pereira, Izabel Gomes, Rayana Paixão e Thais Scabio. Cada um é dedicado a uma das frentes de atuação do JAMAC.
As oficinas de animação e cinema trazem reflexões sobre as narrativas periféricas e dependem do acesso do projeto a recursos
JAMAC/Reprodução
Um dos principais desafio é o acesso a recursos. “Quando não os temos, precisamos cortar algumas atividades, como foi o caso da oficina de cinema e games esse ano”, relata Thais.
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O projeto se mantém, principalmente, através de editais e venda de obras feitas pelos integrantes do JAMAC na Galeria Vermelho, com a qual mantém uma parceria. Atualmente, o projeto também aderiu a uma plataforma de financiamento coletivo e organiza ações como a doações de notas fiscais para manter o funcionamento do espaço.

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