Na Espanha, monumento de aço corten homenageia Walter Benjamin

Ao norte de Cadaqués, na Espanha, quase na fronteira com a França, esconde-se um dos monumentos mais impressionantes da Europa: o Memorial de Walter Benjamin. Perfeitamente integrado à paisagem, ele é uma aula magistral sobre o encontro entre arquitetura e memória Se você visitar o monumento dedicado ao escritor Walter Benjamin, verá o fundo do mar — e entenderá uma parte da história do século XX.
Estamos em Portbou, uma vila fronteiriça que, durante a Segunda Guerra Mundial, serviu de rota de fuga para os inimigos do regime nazista que escapavam da Europa ocupada pelos Pirineus — entre eles, Walter Benjamin, que morreu nesse lugar em 1940. Edifícios ocres e ruas estreitas levam a uma espécie de calçadão à beira-mar voltado para uma baía estreita. No horizonte, o mar — e uma peça laranja cravada em um dos penhascos. As placas nas estradas indicam a distância até a França (7 quilômetros), mas também o caminho até o Memorial dedicado a Walter Benjamin.
Mas quem foi esse alemão de origem judaica e por que há um monumento em seu nome em território espanhol?
Encomendada e financiada pelo Consulado Alemão em Barcelona, ​​em 2023, a Fundação Angelus Novus substituiu o vidro do túnel do Memorial.
Manel Gràvalos/Reprodução AD Espanha
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Recorremos à prestigiada historiadora e crítica de arte Pilar Parcerisas, presidente da Fundació Angelus Novus – Walter Benjamin, que dedicou sua vida à arte e à sua interpretação, e para quem este Memorial é uma das obras de arte pública mais importantes do século XX.
“Escritor, tradutor, crítico literário e pensador, foi uma das vozes mais críticas, heterodoxas, singulares e proféticas do século XX. O impacto da Primeira Guerra Mundial e a hiperinflação na República de Weimar arruinaram sua família. Sua tese foi rejeitada pela Universidade de Frankfurt por não se adequar aos métodos acadêmicos, e a partir daí ele se interessou em refletir sobre a nascente cultura de massas, a modernidade urbana, os novos meios técnicos de reprodução mecânica, como o rádio, a fotografia e o cinema. Também abordou o conceito de história a partir do materialismo histórico e do messianismo judaico, buscando reconciliar sistemas opostos”, explica a especialista.
O Memorial Walter Benjamin é um local aberto e de livre acesso
Manel Gràvalos/Reprodução AD Espanha
Perseguido pela Gestapo e incluído nas listas negras dos nazistas, Benjamin fugiu de Paris quando os alemães já entravam na capital, com o objetivo de atravessar a Espanha e Portugal rumo aos Estados Unidos. Sofrendo de problemas cardíacos e exausto após a travessia dos Pirineus a pé, ao chegar a Portbou e ser ameaçado de deportação de volta à França, decidiu ingerir uma dose letal de morfina e pôr fim à sua vida.
Monumentos: uma luta contra o esquecimento?
O Memorial a Walter Benjamin foi inaugurado em 15 de maio de 1994. Trata-se de um percurso circular com diversos elementos, embora o verdadeiro protagonista seja um túnel de aço corten que atravessa a rocha em direção ao mar. Seu projeto e execução foram encomendados ao artista plástico e escultor israelense Dani Karavan, que representou Israel na Bienal de Veneza em 1976 e participou da mítica Documenta 6 de Kassel (1977).
“Dani Karavan queria que o visitante participasse de uma experiência física e de uma convocação à consciência coletiva. Por isso, o Memorial está integrado à paisagem e propõe um percurso com quatro elementos projetados por ele mesmo. É preciso entrar no cemitério por trás da capela — a experiência pelo caminho agreste atrás do cemitério é muito importante, pois ele quer que o visitante sinta as dificuldades daquele pequeno trecho, um tanto íngreme e cheio de pedras de diferentes tamanhos, para que reviva as dificuldades da travessia pelos Pirineus, feita por Benjamin já com o coração debilitado. Karavan nos lembra o sentido escultórico desse caminho: em cada pedra, como dizia Michelangelo, há uma escultura em potência. A mensagem é um convite a honrar as vítimas das guerras, dos genocídios e das tragédias”, explica Pilar Parcerisas, que esteve presente no dia da inauguração e afirma visitar o local com frequência: “porque é um lugar agradável, aberto à paisagem, que convida à contemplação e ao sossego”.
Como inserir um túnel de 87 degraus de aço corten em uma rocha
Em seus 30 anos de existência, o Memorial Walter Benjamin sofreu ataques, incluindo um tiro no vidro, pichações e perda do verniz e da cera protetora da ferragem. Tudo já foi reparado. “Com a Associação Passatges, que presido, propus à Câmara Municipal que o Memorial Passatges fosse declarado Bem Cultural de Interesse Nacional. Elaborei os argumentos e acompanhei de perto o pedido. Conseguimos conceder ao Karavan o Prêmio Nacional de Cultura do Conselho Nacional de Cultura e Artes por esse trabalho”, revela o especialista
Manel Gràvalos/Reprodução AD Espanha
Desde que recebeu a encomenda, em 1990, Karavan visitou Portbou diversas vezes em busca do lugar ideal. A pequena colina chamada Punta del Caixol, ao lado do cemitério, foi o local escolhido. Karavan contou com o auxílio de um excelente arquiteto, Pere Gaspar, que trabalhava no estúdio do grande José Antonio Coderch, e de Heribert Mitjà, especialista em aço corten — um excelente industrial e artesão.
“O mais complicado foi inserir na rocha o túnel com 87 degraus em direção ao mar, fechado ao final por um vidro que permite ver o movimento das ondas sobre as pedras, onde se lê, em diversos idiomas, a seguinte frase: ‘É uma tarefa mais árdua honrar os seres anônimos do que as pessoas célebres; a construção histórica pertence àqueles que não têm nome’”, detalha Parcerisas.
Trata-se de um lugar aberto e de livre acesso, o que dificulta calcular o número exato de visitantes anuais. Ainda assim, os moradores dizem que milhares de pessoas passam por lá a cada ano, pois é possível desfrutar do lugar mesmo sem conhecer a figura de Walter Benjamin — cuja tumba está no cemitério ao lado.
No mundo da arte, Walter Benjamin é um dos nomes mais citados, por conta do caráter criativo de suas ideias. “A atualidade de sua obra reside em seu pensamento crítico, que aborda o estudo da modernidade, da cultura de massas, das cidades, sua visão sobre a linguagem, o conceito de história e sua produção literária”, afirma Pilar Parcerisas, que em 1991 escreveu o roteiro do longa-metragem A última fronteira, selecionado para o Festival de Berlim de 1992 e dirigido por Manuel Cussó-Ferrer.
Walter Benjamin é uma figura essencial — ontem, hoje e sempre — e este lugar, onde convergem tantos elementos (cultura, história, arte, simbolismo e dor), nos recorda o impacto das circunstâncias históricas sobre a vida das pessoas, alterando radicalmente o curso da existência.
*Matéria publicada originalemente na AD Espanha
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