No Rio de Janeiro, casa de 1934 é restaurada aos pés do Pão de Açúcar

No Rio de Janeiro, o escritório Felipe Hess Arquitetos protege o passado de uma morada quase centenária Como um portal capaz de nos transportar a 1934, esta casa no bairro da Urca, Rio de Janeiro, resistiu até hoje à teimosia de um Brasil que não dá muito valor a construções antigas. Esta história, inclusive, poderia nem estar impressa nestas páginas, dado o ocorrido com as duas residências vizinhas, reduzidas a pó para abrir espaço a um edifício contemporâneo. É o que conta Felipe Hess, arquiteto paulistano (listado no Casa Vogue 50) que assistiu à demolição perplexo, ao lado de seus clientes alemães, que precisaram de explicações mais detalhadas – afinal, na Europa, o passado é preservado com orgulho.
A admiração pelo Brasil os levou a adquirir a casa de 210 m², tombada, para temporadas cariocas. Após um início tortuoso com outros profissionais, o casal encontrou no trabalho de Hess o respeito que buscava: as palavras eram outras e passavam por valorizar o legado, em vez de tentar apagá-lo. “A proteção do patrimônio estava em primeiro plano. Deu bastante trabalho e três reuniões detalhadas com o Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] para que tudo acontecesse da forma mais correta possível”, conta Felipe.
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No pátio de acesso ao novo bloco da casa, com piso e paisagismo renovados, repousam poltronas Paulistano, de Paulo Mendes da Rocha, na Futon Company, e pendente dos anos 1930
Fran Parente
Os caixilhos foram mantidos, uma pintura equivalente à da época foi aplicada, os ornamentos que haviam se perdido, como balaústres e boiseries, foram resgatados – uma pesquisa minuciosa, de quem se interessa pelo antigo. “Um esforço coletivo e baseado em muita parceria com os clientes, construtores e restauradores resultou em algo muito além do material: é também a garantia de que a história da Urca está sendo mantida”, pontua Hess. As arquitetas Roberta Alecrim e Pia Quagliato assinam o projeto ao lado dele, com renovações que trouxeram a quase centenária residência ao presente. Assim, foi possível inserir o sistema de ar condicionado central, a laje na cobertura com chuveirão e ainda um novo bloco no terreno, com fachada de cobogó. “Foi uma oportunidade de cuidar do patrimônio como achamos que ele deve ser tratado: com respeito, pesquisa, seriedade e carinho. O desafio ia muito além de adaptar uma casa de quase 100 anos aos dias atuais. A maior preocupação foi resgatar suas características originais, como o telhado que havia sido demolido, e marcar as intervenções contemporâneas com elementos que dialogassem com a época, como o cobogó”, detalha Pia.
Foi uma oportunidade de cuidar do patrimônio como achamos que ele deve ser tratado: com respeito, pesquisa, seriedade e carinho
No living, da esq. para a dir., sofá da Desmobilia, luminárias de piso e parede da Reka Iluminação, banco desenhado pelo escritório de Felipe Hess, mesa de centro vintage, no Herrero Antiquário, e poltrona de Jorge Jabour Mauad, tudo sob lustre que já pertencia à casa
Fran Parente
Na entrada, escada e piso originais recuperados, e, na sala de jantar, cadeiras GB01, de Geraldo de Barros, na Dpot, e mesa Saarinen, de Eero Saarinen, no Herrero Antiquário – tudo sob pendente Bossa, design Fernando Prado para a Lumini
Fran Parente
A fachada teve os ornamentos recompostos e a pintura refeita por restauradores, seguindo composição de tinta original da época
Fran Parente
Diante do contraste de ver o prédio novo subir ao lado, Hess tornou a morada mais introspectiva, com um pátio central que carrega o paisagismo de Flávia Tiraboschi. Vieram também estratégias para levar mais luz aos interiores, como algumas janelas que se transformaram em portas, capazes ainda de garantir a privacidade necessária por se estar aos pés do Pão de Açúcar. “A reforma proposta por Felipe fez ressurgir a personalidade da casa: uma arquitetura tropical e sofisticada que revela um pedaço da cidade quase perdido no tempo”, reflete Anne, a moradora.
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Em um dos quartos, piso e caixilhos originais – em frente à cama, cadeira Curva, de Joaquim Tenreiro
Fran Parente
A nova edícula recebeu cobogós, pintura branca, guarda-corpo e floreiras metálicas
Fran Parente
Nos interiores, piso de tacos, maçanetas, guarda-corpo e luminárias foram recuperados. O mobiliário brasileiro modernista é uma escolha muito presente no trabalho de Hess, surgindo aqui em via silenciosa. “As coisas não precisam ter nome e sobrenome a todo momento”, considera o arquiteto. “Devemos preservar o que temos de memória. Aqui, vejo nossas heranças irem embora com muita frequência, enquanto na Europa eles lidam bem com o antigo. Toda vez que aparece algo com esse valor no escritório, o esforço é para manter, nosso ego não é maior. O trabalho arquitetônico, nesses casos, deve passar despercebido”, observa ele, que se diz um “velhinho de alma”, colecionador de carros antigos e feliz morador de uma construção de 1957, já mostrada na Casa Vogue. Em sua definição, a renovação da morada da Urca passa por trazê-la aos pensamentos e modos de vida de hoje, com materiais corretos, em plena coerência com o espírito do tempo.
*Matéria originalmente publicada na edição de maio/2025 da Casa Vogue (CV 472), disponível em versão impressa, na nossa loja virtual e para assinantes no app Globo Mais.
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