“O meu desejo de morar em Nova York veio dos filmes. Cheguei em 1975 e descobri que, na ‘cidade que nunca dorme’, o metrô funciona a noite toda, os bares servem até as quatro da manhã e os restaurantes nunca fecham. Não que eu precisasse de uma refeição no meio da madrugada, mas saber de tudo isso me ajudava a dormir melhor. E ainda ajuda. Por esse motivo, não cogito morar em outro lugar.
Em 1977, mudei-me para um apartamento no SoHo – bairro conhecido pelas ruas de paralelepípedos e predinhos com escadas de incêndio à mostra. Eu nunca havia visto uma construção com estrutura de ferro fundido, como são as da região, e fiquei fascinado. Minha unidade, no quarto andar, tinha uma banheira na cozinha, de onde saía água marrom-ferrugem nos primeiros 30 segundos após abrir a torneira. Mas, por um aluguel de 250 dólares ao mês, eu não podia reclamar. Naquela primavera, havia uma sensação de euforia nas ruas do entorno, que pulsavam com o espírito da mudança iminente. Novas lojas, bares e galerias de arte abriam todos os meses. Na década de 1980, o SoHo se tornou a capital do universo artístico nos Estados Unidos.
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No living, quadros cobrem todas as paredes disponíveis (Keith os coleciona há 40 anos e possui mais de 200 obras) – o vibrante tapete indiano dhurrie com motivos de diamantes combina com as cores dos sofás e das mantas vintage, e a cena se completa com abajures contemporâneos folheados com madeira de cipreste, na 1stDibs
Brooke Holm | Produção: Anne Hardy
+ Em Nova York, apartamento em edifício onde se hospedou Andy Warhol tem décor chique e minimalista
Depois de 48 anos, dois casamentos e seis casas diferentes, estou de volta ao mesmo quarteirão: na Rua Thompson, entre as ruas Spring e Broome. A área mudou um pouco, mas não suporto ouvir as pessoas dizendo: ‘Não é mais como antes’. De fato, nada é igual nem deveria ser. Ironicamente, hoje vivo em um prédio que, anos atrás, jurei que só seria construído sobre o meu cadáver. Quando me mudei para a Rua Thompson, em 1977, havia uma linda garagem art déco na esquina. Em 2009, ela foi comprada por incorporadores que planejavam demoli-la e substituí-la por uma edificação contemporânea. Junto de 20 pessoas, fiz um piquete, carregando cartazes contra o empreendimento que destruiria aquela construção maravilhosa. Agora, tornei-me morador no edifício que combati.
+ 100 anos de art déco: um estilo cuja atemporalidade desafia definições
O ângulo do living destaca o aparador de vime e junco da Hirsch + Timber, feito à mão em Bali, sobre o qual repousa uma cabeça de madeira para chapéus, garimpada no eBay
Brooke Holm | Produção: Anne Hardy
O lavabo recebeu papel de parede modelo Penguin Library, da Osborne & Little, que reproduz capas de clássicos da literatura
Brooke Holm | Produção: Anne Hardy
Detalhe do quarto da filha de Keith, onde uma mistura de quadros cobre a parede
Brooke Holm | Produção: Anne Hardy
Ao chegar a Nova York, pensei que logo iria a Los Angeles para fazer filmes. Cinquenta anos depois, ainda estou aqui, e os filmes foram substituídos por restaurantes
Embora eu não seja proprietário deste apartamento, isso não me impediu de deixá-lo do meu jeito. Aqui, inquilinos só podem fazer alterações superficiais nos interiores. Então, a minha reforma aconteceu em segredo. Parecia filme de espionagem: carpinteiros e ladrilhadores passavam pelo porteiro desavisado do prédio, trajando ternos. Uma vez dentro do apartamento, vestiam seus macacões e trabalhavam em sigilo. Claro que, em determinado momento, a administração notou a obra. Mas ficaram tão impressionados com o visual que me permitiram manter as mudanças. Revesti a cozinha e o banheiro com azulejos como os do metrô.
+ Em Nova York, loft tem décor sofisticado e repleto de arte
O quarto de Keith foi decorado com cama de vime da Arhaus, feita na Indonésia, e uma cômoda do mesmo material
Brooke Holm | Produção: Anne Hardy
O banheiro exibe azulejos brancos nas paredes ao estilo do metrô de Nova York, além de piso de cerâmica escura – as cores contrastantes são pano de fundo para fotografia tirada por Keith, que leva moldura da David Rothman Framemaker
Brooke Holm | Produção: Anne Hardy
O quarto de hóspedes, farto em luz natural, recebeu poltrona vintage vinda de um dos restaurantes de Keith
Brooke Holm | Produção: Anne Hardy
+ Garimpos de ícones do design brasileiro preenchem apartamento em Curitiba
O décor só ficou realmente pronto depois que pendurei os quadros. Pode parecer estranho que eu me dê ao trabalho de rebocar e pintar as paredes quando, assim que secam, cubro quase tudo com as telas. Tenho mais de 200 quadros, comprados aos poucos, ao longo dos últimos 40 anos. Muitos são de mercados de pulgas e do eBay, mas alguns vêm de casas de leilão inglesas e alemãs.
De repente, fiquei louco por vime. Vários dos meus móveis são feitos desse material e têm um visual dos anos 1960
O restaurateur posa no terraço, de onde tem vista privilegiada para a cidade
Brooke Holm | Produção: Anne Hardy
Grande parte dos meus móveis é feita sob medida. E, de repente, fiquei louco por vime. Minhas mesas de cabeceira e cômodas, o aparador do living e as cadeiras da cozinha e do terraço são todos desse material, assim como a cama, que veio da Indonésia. No piso, há 18 tapetes dhurrie coloridos em todo o apartamento, feitos à mão na Índia por um artesão que meu irmão indicou. Quanto ao terraço, o considero um grande bônus em Nova York: dali, é possível avistar o Empire State Building e, no verão, tomar café da manhã lá fora.
+ Arquitetura em Nova York: um roteiro pelas obras de vencedores do Pritzker
Na cozinha integrada à sala, Keith revestiu as paredes e a ilha com azulejos semelhantes aos do metrô de Nova York, como também fez em vários de seus restaurantes – as cadeiras francesas de vime e junco da Maison Gatti combinam com a mesa de madeira, na 1stDibs, enquanto tapetes indianos dhurrie dão cor e vida ao apartamento
Brooke Holm | Produção: Anne Hardy
Quando cheguei a esta cidade, imaginei que era apenas uma parada antes de me mudar para Los Angeles e fazer cinema. Cinco décadas depois, ainda estou aqui, e os filmes foram substituídos por restaurantes. Imagino que, daqui a 45 anos, a cidade será tão emocionante e estimulante quanto hoje. Mas acho que as pessoas continuarão reclamando que ‘não é como antes’. Não penso assim. Plus ça change, plus c’est la même chose: quanto mais muda, mais é a mesma coisa.”
Tradução: Adriana Mori
*Matéria originalmente publicada na edição de agosto/2025 da Casa Vogue (CV 475), disponível em versão impressa, na nossa loja virtual, e para assinantes no app Globo Mais.
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Em 1977, mudei-me para um apartamento no SoHo – bairro conhecido pelas ruas de paralelepípedos e predinhos com escadas de incêndio à mostra. Eu nunca havia visto uma construção com estrutura de ferro fundido, como são as da região, e fiquei fascinado. Minha unidade, no quarto andar, tinha uma banheira na cozinha, de onde saía água marrom-ferrugem nos primeiros 30 segundos após abrir a torneira. Mas, por um aluguel de 250 dólares ao mês, eu não podia reclamar. Naquela primavera, havia uma sensação de euforia nas ruas do entorno, que pulsavam com o espírito da mudança iminente. Novas lojas, bares e galerias de arte abriam todos os meses. Na década de 1980, o SoHo se tornou a capital do universo artístico nos Estados Unidos.
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No living, quadros cobrem todas as paredes disponíveis (Keith os coleciona há 40 anos e possui mais de 200 obras) – o vibrante tapete indiano dhurrie com motivos de diamantes combina com as cores dos sofás e das mantas vintage, e a cena se completa com abajures contemporâneos folheados com madeira de cipreste, na 1stDibs
Brooke Holm | Produção: Anne Hardy
+ Em Nova York, apartamento em edifício onde se hospedou Andy Warhol tem décor chique e minimalista
Depois de 48 anos, dois casamentos e seis casas diferentes, estou de volta ao mesmo quarteirão: na Rua Thompson, entre as ruas Spring e Broome. A área mudou um pouco, mas não suporto ouvir as pessoas dizendo: ‘Não é mais como antes’. De fato, nada é igual nem deveria ser. Ironicamente, hoje vivo em um prédio que, anos atrás, jurei que só seria construído sobre o meu cadáver. Quando me mudei para a Rua Thompson, em 1977, havia uma linda garagem art déco na esquina. Em 2009, ela foi comprada por incorporadores que planejavam demoli-la e substituí-la por uma edificação contemporânea. Junto de 20 pessoas, fiz um piquete, carregando cartazes contra o empreendimento que destruiria aquela construção maravilhosa. Agora, tornei-me morador no edifício que combati.
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O ângulo do living destaca o aparador de vime e junco da Hirsch + Timber, feito à mão em Bali, sobre o qual repousa uma cabeça de madeira para chapéus, garimpada no eBay
Brooke Holm | Produção: Anne Hardy
O lavabo recebeu papel de parede modelo Penguin Library, da Osborne & Little, que reproduz capas de clássicos da literatura
Brooke Holm | Produção: Anne Hardy
Detalhe do quarto da filha de Keith, onde uma mistura de quadros cobre a parede
Brooke Holm | Produção: Anne Hardy
Ao chegar a Nova York, pensei que logo iria a Los Angeles para fazer filmes. Cinquenta anos depois, ainda estou aqui, e os filmes foram substituídos por restaurantes
Embora eu não seja proprietário deste apartamento, isso não me impediu de deixá-lo do meu jeito. Aqui, inquilinos só podem fazer alterações superficiais nos interiores. Então, a minha reforma aconteceu em segredo. Parecia filme de espionagem: carpinteiros e ladrilhadores passavam pelo porteiro desavisado do prédio, trajando ternos. Uma vez dentro do apartamento, vestiam seus macacões e trabalhavam em sigilo. Claro que, em determinado momento, a administração notou a obra. Mas ficaram tão impressionados com o visual que me permitiram manter as mudanças. Revesti a cozinha e o banheiro com azulejos como os do metrô.
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O quarto de Keith foi decorado com cama de vime da Arhaus, feita na Indonésia, e uma cômoda do mesmo material
Brooke Holm | Produção: Anne Hardy
O banheiro exibe azulejos brancos nas paredes ao estilo do metrô de Nova York, além de piso de cerâmica escura – as cores contrastantes são pano de fundo para fotografia tirada por Keith, que leva moldura da David Rothman Framemaker
Brooke Holm | Produção: Anne Hardy
O quarto de hóspedes, farto em luz natural, recebeu poltrona vintage vinda de um dos restaurantes de Keith
Brooke Holm | Produção: Anne Hardy
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O décor só ficou realmente pronto depois que pendurei os quadros. Pode parecer estranho que eu me dê ao trabalho de rebocar e pintar as paredes quando, assim que secam, cubro quase tudo com as telas. Tenho mais de 200 quadros, comprados aos poucos, ao longo dos últimos 40 anos. Muitos são de mercados de pulgas e do eBay, mas alguns vêm de casas de leilão inglesas e alemãs.
De repente, fiquei louco por vime. Vários dos meus móveis são feitos desse material e têm um visual dos anos 1960
O restaurateur posa no terraço, de onde tem vista privilegiada para a cidade
Brooke Holm | Produção: Anne Hardy
Grande parte dos meus móveis é feita sob medida. E, de repente, fiquei louco por vime. Minhas mesas de cabeceira e cômodas, o aparador do living e as cadeiras da cozinha e do terraço são todos desse material, assim como a cama, que veio da Indonésia. No piso, há 18 tapetes dhurrie coloridos em todo o apartamento, feitos à mão na Índia por um artesão que meu irmão indicou. Quanto ao terraço, o considero um grande bônus em Nova York: dali, é possível avistar o Empire State Building e, no verão, tomar café da manhã lá fora.
+ Arquitetura em Nova York: um roteiro pelas obras de vencedores do Pritzker
Na cozinha integrada à sala, Keith revestiu as paredes e a ilha com azulejos semelhantes aos do metrô de Nova York, como também fez em vários de seus restaurantes – as cadeiras francesas de vime e junco da Maison Gatti combinam com a mesa de madeira, na 1stDibs, enquanto tapetes indianos dhurrie dão cor e vida ao apartamento
Brooke Holm | Produção: Anne Hardy
Quando cheguei a esta cidade, imaginei que era apenas uma parada antes de me mudar para Los Angeles e fazer cinema. Cinco décadas depois, ainda estou aqui, e os filmes foram substituídos por restaurantes. Imagino que, daqui a 45 anos, a cidade será tão emocionante e estimulante quanto hoje. Mas acho que as pessoas continuarão reclamando que ‘não é como antes’. Não penso assim. Plus ça change, plus c’est la même chose: quanto mais muda, mais é a mesma coisa.”
Tradução: Adriana Mori
*Matéria originalmente publicada na edição de agosto/2025 da Casa Vogue (CV 475), disponível em versão impressa, na nossa loja virtual, e para assinantes no app Globo Mais.
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