O que a arquitetura e o urbanismo têm a ver com a COP? Os temas para ficar de olho

Até o dia 21 de novembro, a capital paraense, Belém, é o centro do mundo quando se trata de questões relacionadas às mudanças climáticas e sustentabilidade global. Isso porque a cidade sedia a 30ª edição da Conferência das Partes (Conference of the Parties, em inglês), a COP, um evento anual que tem como objetivo discutir e monitorar ações e o cumprimento de metas definidas para reduzir os danos dos seres humanos ao meio ambiente.
Segundo especialistas, a busca por soluções para mitigar os problemas ambientais que afetam o planeta passa por diversas frentes e atores, incluindo arquitetos e urbanistas. “Quando a gente fala de sustentabilidade, estamos falando de pessoas, de modos de vida. E, sem dúvida nenhuma, a solução passa por repensar também as questões ambientais do nosso jeito de morar e das nossas cidades, porque são elas que podem nos levar para o ponto de não retorno ou para a solução bioclimática”, comenta o arquiteto Luis Guedes, do escritório Guá Arquitetura, baseado em Belém.
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A arquiteta e urbanista Patrícia Sarquis Herden, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), completa: “A arquitetura e o urbanismo estão diretamente ligados ao que se discute na COP30. É nas cidades que as mudanças climáticas se tornam mais visíveis, pelos impactos das enchentes, pelos efeitos das ilhas de calor, ampliando ainda mais nos locais de maior vulnerabilidade. E é também nas cidades que surgem as soluções. Planejar e projetar com responsabilidade ambiental é uma das formas mais concretas de enfrentar esses desafios e promover qualidade de vida.”
Os temas da COP 30 ligados à arquitetura e urbanismo
Esta edição da COP, que teve início na última segunda-feira, 10 de novembro, abrange mais de 30 temas interconectados
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Esta edição da COP, que teve início na última segunda-feira, 10 de novembro, abrange mais de 30 temas interconectados. Durante os primeiros dias do evento, alguns dos principais assuntos discutidos foram adaptação, cidades, infraestrutura, água, resíduos e governos locais, em conexão com a arquitetura e urbanismo. Nos próximos dias, também serão abordadas questões como governança, justiça social, energias renováveis, novos materiais, biodiversidade, turismo, mobilidade, entre outros.
“Estes tópicos se relacionam diretamente com a maneira como projetos arquitetônicos, planos urbanísticos e soluções para infraestrutura influenciam tanto as construções individuais quanto o desenvolvimento urbano. Há muito que fatores como conforto ambiental — incluindo iluminação natural e artificial, isolamento acústico e regulagem de temperatura — são essenciais para aprimorar o desempenho dos espaços construídos, assim como o consumo energético passou a ser uma preocupação relevante”, diz o arquiteto e urbanista José Júlio Ferreira Lima, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará.
O professor lembra ainda que muitas questões interessantes são abordadas nos diversos estandes presentes no evento. “Além dos debates programados, vale prestar atenção nos estandes, visto que muitos abordarão questões sociais e tecnológicas relacionadas à otimização do uso de energia e à gestão eficiente de recursos hídricos. Além disso, é interessante destacar o estande do Conselho de Arquitetura e Urbanismo, que, pela primeira vez, estará presente em uma COP. Neste local, arquitetos poderão ter acesso a pesquisas e projetos bem-sucedidos, assim como às discussões sobre temas sociais”, diz.
Profissionais do setor também devem prestar atenção às discussões sobre financiamento climático e governança urbana. “É nesse ponto que as políticas públicas se conectam com a prática do projeto. O futuro das cidades será determinante para o sucesso das metas globais de neutralidade de carbono”, destaca Patrícia.
A arquitetura, as cidades e o enfrentamento das mudanças climáticas
A arquitetura pode contribuir no enfrentamento às mudanças climáticas em projetos de larga e pequena escala
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O enfrentamento às mudanças climáticas é um tema urgente do século 21, para o qual, na opinião da presidente do CAU/BR, a arquitetura e o urbanismo contribuem ao transformar intenções em espaços concretos. “Projetar de forma sustentável significa pensar em edificações e espaços públicos que façam uso eficiente de recursos naturais, promovam conforto ambiental e valorizem o convívio social”, diz.
Patrícia lembra ainda que arquitetos e urbanistas têm papel essencial tanto na prevenção quanto na recuperação de áreas afetadas por desastres, visto que o trabalho desses profissionais vai do mapeamento de riscos à reconstrução de cidades atingidas por enchentes ou deslizamentos. “Um exemplo foi a atuação de arquitetos no Rio Grande do Sul, durante as enchentes de 2024. Com apoio da Assistência Técnica de Interesse Público (ATIP), foram contratados laudos para que famílias pudessem retornar ou não para suas casas. São ações concretas que mostram como o conhecimento técnico pode preservar vidas. Algo semelhante está sendo estudado pelo CAU/BR, em parceria com o CAU/PR, para a comunidade afetada por um tornado no dia 7 de novembro, em Rio Bonito de Iguaçu, no Paraná, que deixou o município praticamente destruído.”
Mas, não é apenas no âmbito das políticas públicas que a arquitetura pode ajudar a diminuir os efeitos das mudanças climáticas. Para Luis, mesmo em projetos de menor escala, é possível adotar medidas mais sustentáveis. “Do ponto de vista de arquitetura, eu acho que já passou do tempo de começarmos a controlar os tipos de materiais que colocamos nas nossas casas. Optar por um tijolo ecológico, biomateriais, materiais locais que emitam menos carbono no seu transporte”, observa o profissional.
Luis destaca também a importância de desenvolver novos materiais e de observar a sabedoria dos povos ancestrais. “A arquitetura por muito tempo foi pensada como um elemento de alegoria, de estética, de ornamentação. Morar não é sobre se manifestar culturalmente, não é sobre uma decoração, uma tendência; mas sim, sobre como se conectar, como viver da melhor forma no seu ambiente. Na Amazônia nós temos excelentes exemplos que podem ser utilizados pelo mundo, como nossas casas de madeira local adequadas ao bioclima. A nossa própria ancestralidade indígena, com uma arquitetura extremamente bioclimática, que capta os ventos, que isola a casa por meio das palhas naturais. Enfim, eu acho que a utopia ufanista do modernismo, na caixa de concreto uniforme, igual no mundo inteiro, já se provou errada.”
O legado da COP para a arquitetura e o urbanismo
COP deve deixar legado para a arquitetura e urbanismo
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O arquiteto Nabil Bonduki, professor de planejamento da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) e vereador na capital paulista, espera que a COP deixe como legado maior prioridade e recursos para os temas urbanos no combate à crise climática. “Ainda se faz muito pouco para combater as mudanças climáticas, não devido à falta de preocupação dos arquitetos e urbanistas, mas porque o poder público e as empresas (que são os principais contrastantes de obras) só estão dando prioridade ao tema no discurso. Na prática, continuam na inércia, reproduzindo um modelo insustentável. Assim, eu espero que ao fim da COP tenha mais protagonismo para as propostas que vão no sentido de alterar o superado modelo de desenvolvimento urbano do século XX”, reflete.
O professor José Júlio, da Universidade Federal do Pará, conclui: “A realização da COP em Belém representa um marco significativo tanto para o Brasil, quanto para a comunidade internacional, sendo a primeira edição sediada na Amazônia. Este evento proporcionará aos brasileiros uma oportunidade de conhecer com maior profundidade a região e permitirá que o mundo compreenda que a Amazônia abriga cidades e populações impactadas pelas mudanças climáticas, mesmo sem apresentar os padrões de consumo elevados das metrópoles onde o uso de energia é mais intenso e contribui de forma substancial para o aquecimento global. Eu espero que se reconheça que o que está em jogo é a forma de morar que existe há muito tempo na Amazônia e que agora está em risco com o avanço da diminuição da floresta em pé. Para as cidades, a evidência de que obras de logística que privilegiam apenas áreas urbanas que já recebem benefícios ao longo da história sejam revistas para áreas que estão em profunda desvantagem urbanística.”
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