O que seria o verdadeiro luxo na arquitetura?

O arquiteto Daniel Bolson reflete de que forma o luxo tem sido incorporado em projetos de arquitetura e paisagismo, apontando os limites e as novas possibilidades de olhar para o tema Se fala tanto em luxo e alto padrão atualmente, mas me parece ser, cada vez mais difícil, identificar um parâmetro do que, genuinamente, pode ser considerado sofisticação. Em meio a uma sociedade da ostentação, do brilho, das grandes marcas, que estampam seus logos cada vez maiores, seja em roupas, seja em almofadas nas suas linhas de casa, o quiet luxury desponta como categoria paralela, em que a discrição e os bons materiais, sem a pretensão de escancarar riqueza, são usados.
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O projeto da torre mais alta do Brasil, em Balneário Camboriú (SC), tem sido a polêmica dos últimos tempos. A cidade, relativamente pequena, tem a pretensão de ser a “Dubai brasileira”, dos arranha-céus com ares futuristas. Uma questionável autodeclaração de suntuosidade e luxo, com enormes edifícios de frente para praia.
Esse litoral, por sua vez, já foi aterrado em busca de retomar o sol na areia, que foi sombreado pelos imensos edifícios espelhados. A estética reluzente de algo que remeta à ideia de uma joia, é executada em surreal descompasso com a natureza e o urbanismo pré-existente – o importante é o jogo de quem sobe mais alto.
O antigo hotel Fischer (à esquerda), em Balneário Camboriú (SC), marco do turismo na cidade, que já hospedou até presidentes da República, foi demolido e dará lugara torres, batizadas de “Fischer Dreams” (à direita). A história do hotel ficará apenas em fotos, que prometem ser expostas no novo empreendimento.
YouTube/NDTV Record TV Itajaí/Reprodução; Instagram/procave/Reprodução | Montagem: Casa e Jardim
Vincular grandes nomes a construções é um marketing comum. Trata-se de tornar o local apenas mais um item licenciado de uma marca, que, na maioria das vezes, não tem qualquer contexto ou identidade em relação ao que está sendo projetado.
Esse artifício é usado para chamar atenção e receber royalties do uso da imagem e do nome – embora existam vários casos de prédios que usam títulos e símbolos de grifes famosas, sem que essas corporações saibam e, muito menos, autorizem isso.
O nome e a credibilidade de grandes empresas, personalidades e marcas poderiam ter tanto potencial para se vincular a iniciativas mais relevantes e conectadas a um efetivo progresso de qualidade construtiva, sustentabilidade e inovação, para além de rasos discursos de propaganda. Nada mais elegante do que ser generoso com o meio, o urbano, e, efetivamente, realizar projetos que qualificam não só o edifício, mas também o seu entorno.
Uma estratégia de publicidade que achei superinteressante de uma marca de bebidas foi arrendar, na orla da Praia de Pernambuco, em Guarujá (SP), um terreno a beira-mar, apenas com a intenção de mantê-lo sem construções. A proposta de garantir uma faixa de sol na praia criou a simpatia dos consumidores.
A proposta é poder valorizar um dos principais recursos pelo qual as pessoas vão àquele local, em meio a uma orla cada vez mais sombreada. A propaganda usada como proposta vai além apenas de vender o produto, mas se vincula às boas ações, com um marketing reverso do dito progresso.
Algumas marcas tem atuado de forma a se vincular a boas ações para o espaço público. Na imagem, a ação da Fendi, que custeou a reforma da Fontana di Trevi, em Roma. Em paralelo, usou o espaço no seu desfile comemorativo de 90 anos da marca
YouTube/TVC Group/Reprodução
Algo que, para mim, pode mais se denominar luxo é a realidade das pessoas, que, ainda hoje, moram em casas, com pátios grandes, gramados, que tem árvores enormes em seus quintais. Tomar sol, armar um churrasco ao ar livre, estender uma “maquinada” de roupas no varal ensolarado, onde as crianças podem largar um pouco os tablets e brincarem no jardim.
Muitas dessas residências, inclusive, são projetos com mais de 50 anos e seguem completamente atuais, dado o bom gosto no uso de matérias-primas lindas, que jamais ficarão datadas e resistem ao tempo. Essas são construções de grande qualidade projetual, situadas em áreas bem localizadas.
Esses dias passei por uma situação das mais surreais sobre a falta de noção da tal “força da grana que ergue e destrói coisas belas”, como cantou Caetano Veloso. Estava caminhando em uma rua de Porto Alegre, em Curitiba (PR), e parei para contemplar um jardim lindo, em um projeto de um novo edifício de um arquiteto famoso – um paisagismo belíssimo, com uma escultura no meio das plantas tropicais.
Eis que começo a ouvir um som reverberando amplificado. Olho para a esquina e percebo um alto-falante de cima de um poste, virado para mim, junto de câmeras imensas, que repetia: “Você não tem autorização para fotografar. Pare de fotografar o prédio”.
Da calçada eu tirava uma foto da palmeira e fiquei incrédulo. A vontade era argumentar sobre a falta de lógica em tentar proibir um pedestre de fazer fotos do jardim, estando no espaço público. Mas, o absurdo foi tão grande que me constrangeu. O poder de quem acha que, por ter dinheiro, pode tudo, inclusive, censurar os visuais da rua onde vive.
Daniel Fromer e Maraí Valente, moradores e responsáveis pelo projeto da reforma, estão junto ao janelão da área social, de onde podem ver as copas das árvores da rua. A construção é um projeto de Vilanova Artigas, dos anos 1940, no Bairro Jardim Paulista, em São Paulo
Wesley Diego/Editora Globo
De que adianta um projeto de arquitetura ser lindíssimo, ter um jardim elegante, a inserção de uma obra de arte próxima à calçada, se o tratamento oferecido a quem passa por ali é de censurar a contemplação? Toda a poesia do projeto falha diante da tamanha grosseria descabida que sofri.
As palavras “exclusividade” e “luxo” colocadas juntas em um anúncio, dificilmente entregarão essas qualidades. São, inclusive, marcadores de golpe e enganação, de “comprar gato por lebre”. O que é realmente único e especial não precisa se autonomear assim, percebe-se naturalmente a olhos vistos.
Elegante mesmo, para mim, é um jardim cuidado, sem grades, convidativo, que inclusive confunde a área privada e pública, é cortês com os vizinhos, faz gentilezas urbanas, tem respiros, sombras, descansos. Gera, certamente, um ambiente muito mais seguro do que um lugar fechado com muros altos.
Projetado pelo escritório Perkins&Will São Paulo, esse edifício de uso misto, na Vila Mariana, criou um térreo com área aberta aos pedestres que passam por ali, como um caminho alternativo, em um espaço aberto com bancos e floreiras
Pedro Mascaro/Divulgação
Existe luxo maior do que viver em um espaço que seja naturalmente silencioso, onde o sol tem hora para entrar na sala todos os dias, que quebre o frio do inverno e onde a brisa da janela refresque no verão? Que esteja longe o suficiente de uma grande avenida para não se ouvir o trânsito, mas perto o bastante para se ir a pé comprar um pão fresquinho de manhã? Ir a pé, fazendo o aquecimento até a academia, ter um parque com uma barraquinha de sorvete a poucas quadras de casa.
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Já dentro de casa, cada um pode compor o que entende como de seu gosto, aconchego, com o que valoriza, faz bem aos olhos e conforta. Assim, certamente, poderemos falar em elegância genuína.

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