Pedras preciosas dão vida à casa de artista holandesa na Chapada dos Veadeiros

Era 2006 quando o casal Janet Vollebregt e Xavier de Bode aportou na costa nordeste do Brasil para a viagem – meio planejada, meio improvisada – que mudaria o curso da vida deles. Exploraram a região de Jericoacoara, no Ceará; desceram até as praias do sul da Bahia, na Mata Atlântica; subiram para o Amazonas; e terminaram embasbacados diante da exuberância das paisagens naturais do Cerrado.
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No living, tambor djembê, de Gana (presente de um amigo), lareira da Construflama, sofá de alvenaria, mesa de centro Noguchi, de Isamu Noguchi, e tapete adquirido em uma feira de rua brasileira – na parede, apoiam-se painéis criados por Janet Vollebregt
Filippo Bamberghi | Estilo: Adriana Frattini
O encantamento foi tanto que Janet e Xavier vislumbraram adquirir um terreno na região de Alto Paraíso de Goiás, na Chapada dos Veadeiros. Não demorou até encontrarem um sítio à venda, com “porteira fechada” – incluindo dez cabeças de gado. Ela, vegetariana, confidencia não ter entendido muito bem o que fazer com aqueles bois. Não fecharam negócio, e retornaram à Holanda natal com a promessa de pensar melhor sobre o assunto. Como a ideia não saía da cabeça, porém, voltaram pouco tempo depois. Àquela altura, a casa principal já havia sido vendida, mas eles conseguiram arrematar os 22 hectares restantes, que incluíam uma casinha antiga, onde se instalaram inicialmente.
Vestindo Aluf, Janet atravessa a varanda, que exibe chaise da Tidelli e o totem Sol/Lua (à esq.), de autoria da moradora
Filippo Bamberghi | Estilo: Adriana Frattini
Na Chapada dos Veadeiros, a gente aprende a trabalhar de maneira mais ecológica, com os materiais à disposição
Xavier logo se ocupou do reflorestamento do pasto, e concentrou esforços principalmente na proteção das inúmeras nascentes da propriedade – trabalho essencial naquela região, situada entre as bacias do Rio Paraná e do Rio Maranhão. Janet, formada em arquitetura pela renomada Universidade de Delft, gestou o projeto de uma nova casa. Nos últimos anos, ela vinha estudando com afinco filosofias asiáticas, como o Feng Shui, chinês, e o Jin Shin Jyutsu, japonês, e viu naquele solo rico em quartzo um potencial energético para explorar.
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Na sala de jantar, a mesa de ipê acompanha cadeira infantil desenhada pela dona da casa, ambas executadas pelo artesão local Anurag, e cadeiras Eiffel, de Charles e Ray Eames, sob pendente vintage holandês – tela Nave, de Ninjah, e escultura de Miguel Espanhol (ambas à esq.), pingente de Janet Vollebregt e pintura de Caligrapixo
Filippo Bamberghi | Estilo: Adriana Frattini
Completam o ambiente a cadeira desenhada pelo amigo Paulo Maluhy, sobre tapete artesanal, e o banquinho e a escultura mascarada, ambos artefatos indígenas de aldeias da região – entre sala e cozinha, repousa a escultura Mini Spirit House, de Janet Vollebregt
Filippo Bamberghi | Estilo: Adriana Frattini
Enquanto concebia novas estruturas para o terreno, engravidou duas vezes em sequência. Em 2007, nasceu o menino Zeus; em 2008, a menina Zahir Amazona. Concluiu a sede, apelidada Casa Alto Paraíso, entre 2010 e 2011. “Podemos dizer que ficou ‘pronto’ nessa época, mas aqui nunca nada está pronto mesmo”, reflete.
Senti vontade de expressar o meu trabalho energético, então passei a desenvolver obras de arte
Sentada à mesa, Janet monta alguns dos seus pingentes
Filippo Bamberghi | Estilo: Adriana Frattini
No living, chaise longue LC4, de Le Corbusier, Pierre Jeanneret e Charlotte Perriand, garimpada em Amsterdã
Filippo Bamberghi | Estilo: Adriana Frattini
É ali que a família vive quando está em Goiás. Construída com materiais locais, a residência ganhou paredes de adobe e estruturas de madeira vindas de árvores caídas. O piso recebeu revestimento de cimento queimado, trabalho feito por um especialista da região. Contar com uma equipe experiente em técnicas manuais também foi uma excelente surpresa para a holandesa. “Existem muitos artesãos e artistas por aqui. As portas e janelas, por exemplo, foram todas executadas localmente”, explica Janet. “Quando tivemos que pavimentar a rua de ladrilhos que leva ao sítio e a equipe chegou, eu pensei: ‘Gente, cadê as máquinas?’ Mas é claro que não tinha.”
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Cocar indígena e cristais de quartzo branco e fumê
Filippo Bamberghi | Estilo: Adriana Frattini
No projeto, ela priorizou formas orgânicas – há muitas curvas, semicírculos e até aberturas redondas nos interiores. “Quando fui validar meu diploma na UnB [Universidade de Brasília], a professora me disse que eu tinha que estudar Lina Bo Bardi. E eu fiquei maravilhada, porque me reconheci muito no trabalho dela”, conta. “Queria relacionar a arquitetura com os morros da região. E acho que, de certa maneira, trabalhei como a Lina: criando formas mais orgânicas, femininas, delicadas.” O Feng Shui também influenciou muito as escolhas projetuais. “Quinas retangulares não são boas para a energia fluir. Por isso, desenhei todos os cantos arredondados.”
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Fachada da Casa Cabana, feita de blocos de adobe
Filippo Bamberghi | Estilo: Adriana Frattini
Na decoração, Janet mistura peças brasileiras feitas sob medida e alguns móveis herdados da família ou garimpados em lojas de segunda mão – estes vindos da Holanda, em um contêiner. A estética rústica e contemporânea aparece também nas outras duas construções do terreno: a Casa Arco, uma reinterpretação da antiga casinha remanescente no sítio, e a Casa Cabana, originada de um velho galpão de ferramentas. Ambas funcionam, desde 2024, como hospedagens temporárias – a iniciativa batizada de O Sítio é fruto de uma recente consultoria de turismo.
O mais importante para mim é endereçar o que sentimos mas não conseguimos ver. Comunico aquilo que é invisível
Janet posa em frente à Casa Arco, construção original totalmente repaginada
Filippo Bamberghi | Estilo: Adriana Frattini
Vista da sauna
Filippo Bamberghi | Estilo: Adriana Frattini
Passar por esse processo longo e transformador em meio à natureza mudou também a relação de Janet com a criatividade. Foi ali, na Chapada, que ela concebeu seus primeiros objetos artísticos. “A arquitetura costuma demorar para virar realidade. E eu senti muita vontade de me expressar com esse trabalho energético, então montei um ateliê e passei a criar em outra escala, a desenvolver obras de arte.” Representada no Brasil pela Luis Maluf Galeria, Janet idealiza instalações, esculturas e objetos interativos que enfatizam o diálogo entre ser humano, arquitetura e natureza. Para ela, o uso de cristais instiga a nossa percepção sobre a energia. “Arte e arquitetura são uma coisa só.”
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A área da piscina tem balanço de palha vintage de Amsterdã e uma espreguiçadeira reformada pelo artesão Anurag
Filippo Bamberghi | Estilo: Adriana Frattini
Com as crianças crescidas, a família se divide hoje entre Brasil e Países Baixos. “Em 2016, levei os filhos de volta à Europa para estudar. Hoje, vivemos como nômades: um pouco lá, um pouco aqui.” Embora a jornada seja exigente, há sempre recompensas na ponte aérea Leiden-Alto Paraíso de Goiás. “Nosso dia a dia no sítio é de muito trabalho. São 22 hectares de natureza para cuidar! Mas ficamos muito perto da Cachoeira Anjos e Arcanjos [ponto turístico da Chapada dos Veadeiros]. E esse banho de cachoeira… Ah! Sempre lava a alma.”
*Matéria originalmente publicada na edição de julho/2025 da Casa Vogue (CV 474), disponível em versão impressa, na nossa loja virtual e para assinantes no app Globo Mais.

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