E se um pneu velho pudesse se transformar em um móvel ou em uma material de construção? Com essa mentalidade, empreendedores no Brasil e no mundo têm apostado na matéria-prima abundante que iria direto para o lixo, como uma fonte de inovação.
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Uma das iniciativas mais conhecidas nesse sentido surgiu na Nigéria, pelas mãos de Ifedolapo Runsewe, fundadora da Freee Recycle Limited. Preocupada com o acúmulo excessivo de pneus em aterros sanitários em seu país, ela desenvolveu uma tecnologia capaz de transformá-los em placas de borracha, que podem ser usadas como revestimento para pisos de academias e parques infantis.
No Brasil, o Grupo Greener, empresa nacional especializada em logística reversa de pneus, desenvolveu uma tecnologia similar, que aproveita pneus usados para a produção dos mais variados materiais, que vão de pisos sintéticos para campos de futebol a móveis de área externa e percintas para estofados.
Os pneus inservíveis são aqueles que não podem mais ser reparados e seriam descartados de forma permanente
Pexels/Mike Bird/Creative Commons
“É basicamente a granulometria que imita a casca de árvore pinus. Fazemos a pintura e fica bem parecido”, conta Gabriel Lopes, coordenador de meio ambiente do Grupo Greener.
Engana-se quem pensa que o material sirva apenas para elementos mais rústicos e não possa ter aplicações no design. Ainda que incipiente, o uso do pneu reciclado começa a encontrar adeptos no Brasil. A iniciativa partiu da Conviê Design, que se especializou em móveis de área externa sustentáveis.
À frente da empresa familiar, João Pedro Puppini, engenheiro civil e CEO da Conviê, conta que as pesquisas com material começaram em 2002. Foram anos de testes e ensaios até chegar ao produto atual, leve e flexível, derivado de reciclagem de pneus usados. Tudo é produzido na planta de moagem de pneus da empresa em Alexânia (GO).
A Conviê Design criou um material derivado da reciclagem de pneus que pode ser usado na fabricação de móveis de área externa, incluindo espreguiçadeiras
Douglas Guedes/Divulgação
“O caminho da empresa para o desenvolvimento desse produto passou por duas gerações. A ideia inicial era criar produtos para a construção civil, na parte de vedação, estrutura, elementos arquitetônicos de fachada e pergolados, e isso se mostrou de baixa viabilidade. Eu precisaria de um alto volume de produção, uma indústria muito grande para poder ser lucrativa”, relembra.
Além disso, ele destaca, a aceitação do mercado para esse tipo de inovação ainda é baixa. “Então, começamos a estudar outros produtos que poderíamos criar com esse mesmo material que já tem anos de testes de qualidade e resistência, e migramos para o mercado de design”, detalha.
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Após nova rodada de testes, entre 2018 e 2019, a Conviê consolidou a viabilidade do produto para a criação de mobiliário de luxo para áreas externas. O material, patenteado pela empresa, apresenta alta resistência e durabilidade, e baixa manutenção. “Ele tem, ainda, uma menor dilatação, comparado à madeira, o que evita trincas ou rachaduras”, explica João.
A poltrona Monolitos ganhou o Silver Winner no NY Product Design Awards 2024, na categoria Social Design – Design for Environment
Douglas Guedes/Divulgação
O material bruto da Conviê, no entanto, só ganhou forma graças à parceria com a arquiteta e designer de móveis Rafaela Gravia, por meio de um projeto da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimóvel).
“A ideia de lançar uma coleção completa de área externa, com demanda estética e sustentável, que eu enxergo como lacuna no mundo da arquitetura, me encantou imediatamente”, relembra Rafaela.
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Da parceria surgiu a coleção Monolitos, com sofá, espreguiçadeira, poltrona, mesa de centro, mesa lateral e mesas de jantar. O design limpo e atemporal das peças, que podem também ser usadas em espaços internos, foi inspirado em Brasília e no brutalismo.
“Fizemos o lançamento da poltrona Monolitos na Brasília Design Week 2024. Ela ficou em exposição do Museu Nacional da República, obra de Oscar Niemeyer no Eixo Monumental em Brasília, por um mês”, fala Rafaela. O mesmo móvel ganhou o Silver Winner no NY Product Design Awards 2024, na categoria Social Design – Design for Environment.
A experiência no campo do design de móveis já conquistou novos desdobramentos, com o lançamento da poltrona Itá, assinada pelo designer Sérgio Matos, na DW! Semana de Design de São Paulo 2025.
A poltrona Itá, assinada pelo designer Sérgio Matos para a Conviê Design, foi apresentada na DW! Semana de Design de São Paulo 2025.
Conviê Design/Divulgação
“Acredito que o público está cada vez mais consciente e seletivo para peças que tenham contexto e propósito, e esse propósito abrange a sustentabilidade. Assim, os lojistas estão acompanhando essas tendências e a necessidade do público”, avalia Rafaela.
Por que é importante reciclar os pneus?
O descarte incorreto de um pneu inservível – com danos irreparáveis em sua estrutura – é um grande problema ambiental em todo o planeta. Compostos de borracha, derivados de petróleo e uma variedade de produtos químicos, eles levam cerca 600 anos para se decompor na natureza.
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Segundo artigo do Ministério do Meio Ambiente, de autoria da analista ambiental Zilda Maria Faria Veloso, o descarte indevido de pneus em rios e lagos contribui para o assoreamento e as enchentes. Quando levados a aterros e lixões, eles podem causar problemas como a proliferação de doenças, a poluição do solo e da água.
“O acúmulo de pneus no ambiente causa óbvios problemas relacionados ao acúmulo de água nas partes côncavas, que se transformam em criadouros de mosquitos e outros seres vivos que causam malefícios à saúde. No longo prazo, como qualquer outro material, degradam-se, levando à liberação de compostos sulfurados e hidrocarbonetos no ambiente, o que é também indesejável”, alerta o engenheiro químico José Carlos Costa da Silva Pinto, professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ).
Além disso, ao ser queimado, o pneu libera uma fumaça tóxica, com componentes altamente prejudiciais à saúde, como o carbono e o enxofre. “No local da queima permanecem as cinzas e a fração líquida composta por hidrocarbonetos mais pesados, responsáveis pela contaminação do lençol freático”, destaca Zilda no artigo.
Um pneu descartado de forma irrugular causa poluição ambiental e leva mais de 600 anos para se decompor
Freepik/fxquadro/Creative Commons
Hoje, o Brasil é considerado uma referência mundial na área de reciclagem de pneus. “A depender da fonte, estima-se que entre 85% e 100% dos pneus inservíveis são reciclados”, conta o engenheiro.
Parte desta conquista se deve à atuação, desde 2007, da Reciclanip, entidade sem fins lucrativos cujo foco é a correta destinação dos pneus no final de sua vida útil. Com cerca de mil pontos de coleta no país, ela foi criada no âmbito do Programa Nacional de Coleta e Destinação de Pneus Inservíveis, implantado em 1999 pela Anip (Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos), entidade que representa os fabricantes de pneus novos no Brasil.
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Segundo dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em 2024, foram recolhidas mais de 394 mil toneladas de pneus inservíveis no país. De 2011 até 2024, a destinação ambientalmente correta alcançou 5,49 milhões de toneladas.
Apesar dos avanços, a cadeia da reciclagem de pneus ainda enfrenta desafios na logística de coleta. “O uso de pneus é deslocalizado. Empresas operadoras de resíduos sólidos urbanos e oficinas de automóveis, em particular as borracharias, têm acesso privilegiado a esses resíduos. Desta forma, esse problema pode ser em princípio mitigado com políticas e ações que envolvam esses atores”, analisa João.
O consumidor pode participar desta cadeia de forma ativa, levando os pneus velhos para a concessionária, oficina ou borracharia onde está o ecoponto de coleta mais próximo, ou consultando o site da Reciclanip para saber onde descartar corretamente o material.
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Uma das iniciativas mais conhecidas nesse sentido surgiu na Nigéria, pelas mãos de Ifedolapo Runsewe, fundadora da Freee Recycle Limited. Preocupada com o acúmulo excessivo de pneus em aterros sanitários em seu país, ela desenvolveu uma tecnologia capaz de transformá-los em placas de borracha, que podem ser usadas como revestimento para pisos de academias e parques infantis.
No Brasil, o Grupo Greener, empresa nacional especializada em logística reversa de pneus, desenvolveu uma tecnologia similar, que aproveita pneus usados para a produção dos mais variados materiais, que vão de pisos sintéticos para campos de futebol a móveis de área externa e percintas para estofados.
Os pneus inservíveis são aqueles que não podem mais ser reparados e seriam descartados de forma permanente
Pexels/Mike Bird/Creative Commons
“É basicamente a granulometria que imita a casca de árvore pinus. Fazemos a pintura e fica bem parecido”, conta Gabriel Lopes, coordenador de meio ambiente do Grupo Greener.
Engana-se quem pensa que o material sirva apenas para elementos mais rústicos e não possa ter aplicações no design. Ainda que incipiente, o uso do pneu reciclado começa a encontrar adeptos no Brasil. A iniciativa partiu da Conviê Design, que se especializou em móveis de área externa sustentáveis.
À frente da empresa familiar, João Pedro Puppini, engenheiro civil e CEO da Conviê, conta que as pesquisas com material começaram em 2002. Foram anos de testes e ensaios até chegar ao produto atual, leve e flexível, derivado de reciclagem de pneus usados. Tudo é produzido na planta de moagem de pneus da empresa em Alexânia (GO).
A Conviê Design criou um material derivado da reciclagem de pneus que pode ser usado na fabricação de móveis de área externa, incluindo espreguiçadeiras
Douglas Guedes/Divulgação
“O caminho da empresa para o desenvolvimento desse produto passou por duas gerações. A ideia inicial era criar produtos para a construção civil, na parte de vedação, estrutura, elementos arquitetônicos de fachada e pergolados, e isso se mostrou de baixa viabilidade. Eu precisaria de um alto volume de produção, uma indústria muito grande para poder ser lucrativa”, relembra.
Além disso, ele destaca, a aceitação do mercado para esse tipo de inovação ainda é baixa. “Então, começamos a estudar outros produtos que poderíamos criar com esse mesmo material que já tem anos de testes de qualidade e resistência, e migramos para o mercado de design”, detalha.
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Após nova rodada de testes, entre 2018 e 2019, a Conviê consolidou a viabilidade do produto para a criação de mobiliário de luxo para áreas externas. O material, patenteado pela empresa, apresenta alta resistência e durabilidade, e baixa manutenção. “Ele tem, ainda, uma menor dilatação, comparado à madeira, o que evita trincas ou rachaduras”, explica João.
A poltrona Monolitos ganhou o Silver Winner no NY Product Design Awards 2024, na categoria Social Design – Design for Environment
Douglas Guedes/Divulgação
O material bruto da Conviê, no entanto, só ganhou forma graças à parceria com a arquiteta e designer de móveis Rafaela Gravia, por meio de um projeto da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimóvel).
“A ideia de lançar uma coleção completa de área externa, com demanda estética e sustentável, que eu enxergo como lacuna no mundo da arquitetura, me encantou imediatamente”, relembra Rafaela.
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Da parceria surgiu a coleção Monolitos, com sofá, espreguiçadeira, poltrona, mesa de centro, mesa lateral e mesas de jantar. O design limpo e atemporal das peças, que podem também ser usadas em espaços internos, foi inspirado em Brasília e no brutalismo.
“Fizemos o lançamento da poltrona Monolitos na Brasília Design Week 2024. Ela ficou em exposição do Museu Nacional da República, obra de Oscar Niemeyer no Eixo Monumental em Brasília, por um mês”, fala Rafaela. O mesmo móvel ganhou o Silver Winner no NY Product Design Awards 2024, na categoria Social Design – Design for Environment.
A experiência no campo do design de móveis já conquistou novos desdobramentos, com o lançamento da poltrona Itá, assinada pelo designer Sérgio Matos, na DW! Semana de Design de São Paulo 2025.
A poltrona Itá, assinada pelo designer Sérgio Matos para a Conviê Design, foi apresentada na DW! Semana de Design de São Paulo 2025.
Conviê Design/Divulgação
“Acredito que o público está cada vez mais consciente e seletivo para peças que tenham contexto e propósito, e esse propósito abrange a sustentabilidade. Assim, os lojistas estão acompanhando essas tendências e a necessidade do público”, avalia Rafaela.
Por que é importante reciclar os pneus?
O descarte incorreto de um pneu inservível – com danos irreparáveis em sua estrutura – é um grande problema ambiental em todo o planeta. Compostos de borracha, derivados de petróleo e uma variedade de produtos químicos, eles levam cerca 600 anos para se decompor na natureza.
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Segundo artigo do Ministério do Meio Ambiente, de autoria da analista ambiental Zilda Maria Faria Veloso, o descarte indevido de pneus em rios e lagos contribui para o assoreamento e as enchentes. Quando levados a aterros e lixões, eles podem causar problemas como a proliferação de doenças, a poluição do solo e da água.
“O acúmulo de pneus no ambiente causa óbvios problemas relacionados ao acúmulo de água nas partes côncavas, que se transformam em criadouros de mosquitos e outros seres vivos que causam malefícios à saúde. No longo prazo, como qualquer outro material, degradam-se, levando à liberação de compostos sulfurados e hidrocarbonetos no ambiente, o que é também indesejável”, alerta o engenheiro químico José Carlos Costa da Silva Pinto, professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ).
Além disso, ao ser queimado, o pneu libera uma fumaça tóxica, com componentes altamente prejudiciais à saúde, como o carbono e o enxofre. “No local da queima permanecem as cinzas e a fração líquida composta por hidrocarbonetos mais pesados, responsáveis pela contaminação do lençol freático”, destaca Zilda no artigo.
Um pneu descartado de forma irrugular causa poluição ambiental e leva mais de 600 anos para se decompor
Freepik/fxquadro/Creative Commons
Hoje, o Brasil é considerado uma referência mundial na área de reciclagem de pneus. “A depender da fonte, estima-se que entre 85% e 100% dos pneus inservíveis são reciclados”, conta o engenheiro.
Parte desta conquista se deve à atuação, desde 2007, da Reciclanip, entidade sem fins lucrativos cujo foco é a correta destinação dos pneus no final de sua vida útil. Com cerca de mil pontos de coleta no país, ela foi criada no âmbito do Programa Nacional de Coleta e Destinação de Pneus Inservíveis, implantado em 1999 pela Anip (Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos), entidade que representa os fabricantes de pneus novos no Brasil.
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Segundo dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em 2024, foram recolhidas mais de 394 mil toneladas de pneus inservíveis no país. De 2011 até 2024, a destinação ambientalmente correta alcançou 5,49 milhões de toneladas.
Apesar dos avanços, a cadeia da reciclagem de pneus ainda enfrenta desafios na logística de coleta. “O uso de pneus é deslocalizado. Empresas operadoras de resíduos sólidos urbanos e oficinas de automóveis, em particular as borracharias, têm acesso privilegiado a esses resíduos. Desta forma, esse problema pode ser em princípio mitigado com políticas e ações que envolvam esses atores”, analisa João.
O consumidor pode participar desta cadeia de forma ativa, levando os pneus velhos para a concessionária, oficina ou borracharia onde está o ecoponto de coleta mais próximo, ou consultando o site da Reciclanip para saber onde descartar corretamente o material.