Durante um voo para a Cidade do México, passei toda a viagem tentando adivinhar a idade de uma garota que viajava na mesma fileira de assentos que eu: teria 30? 17? O motivo da minha dúvida era o enorme urso de pelúcia ao qual ela estava agarrada. Quando pousamos, ela ligou para o pai e disse que tinha corrido tudo bem. Mas esse não é o único caso que encontrei em voos: há outras pessoas que viajam com bonecos de pinguins e objetos variados — basta dar uma olhada no TikTok —, ou até mesmo com uma folha de bananeira dobrada no bolso, a exemplo de uma senhora do Sri Lanka, talvez para não esquecer de onde vem, do lugar ao qual pertence.
Ao redor do mundo, são milhões de pessoas no ar e todas carregam uma história: crianças que deixam o pai nas Astúrias para reencontrar a mãe na Argentina, passageiros com aerofobia, ou casais que mantêm um relacionamento à distância. É em alguns desses casos que os chamados objetos de apego e de gestão emocional cumprem uma função primordial. Conversamos com a psicóloga María González sobre o papel desses outros companheiros de viagem.
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Viajar com bichos de pelúcia: o motivo por trás dos objetos de apego e de gestão emocional de adultos durante viagens
As principais funções emocionais e sociais dos objetos de apego em adultos durante viagens são a regulação emocional e a redução da ansiedade
Getty Images
Quando crianças, é comum desenvolver apego por um brinquedo ou objeto específico, que se adota como parte do próprio universo. Mas, quando os pequenos precisam se separar de suas principais figuras de apego, como os pais, para enfrentar uma situação de solidão, muitas vezes aplica-se o conceito de objeto transicional, proposto por Donald Winnicott em 1953. Esse elemento facilita à criança o acesso a uma maior autonomia em diversas situações, como o início da escola ou até mesmo viagens de avião feitas sozinha para reencontrar um dos pais ou outros familiares, como os avós.
No entanto, com o passar do tempo, a figura do objeto de apego também tem alcançado adultos que, por diferentes motivos, encontram-se viajando pelo mundo em uma situação de insegurança e incerteza: “Em adultos, alguns objetos, como os bichos de pelúcia, podem preservar essa função simbólica de segurança e consolo”, afirma a psicóloga María González. “As pessoas que têm um estilo de apego ansioso podem apoiar-se nesse tipo de objeto para regular o mal-estar em situações de incerteza, separação ou aquelas que consideram ameaçadoras. Aplicado ao contexto de viajar, em muitos casos, ativa-se a ansiedade de separação dessas pessoas, que precisam enfrentar situações como viajar sozinhas, dormir em ambientes pouco conhecidos ou se afastar de pessoas queridas e importantes; por isso, necessitam desse tipo de objeto como suporte emocional.”
Viajar implica sair da rotina, mudar o ambiente habitual e, em muitas ocasiões, enfrentar circunstâncias estressantes, portanto, um bicho de pelúcia pode atuar como objeto de conforto. Nesse contexto, as principais funções emocionais e sociais dos objetos de apego em adultos durante viagens são a regulação emocional e a redução da ansiedade: “Em situações que podem gerar estresse, como os deslocamentos, viajar com bichos de pelúcia se torna uma ferramenta que ajuda a reduzir a ansiedade e oferece segurança emocional em um ambiente desconhecido. Além disso, ativam lembranças sensoriais que geram sensações de calma, semelhantes às vividas na infância”, acrescenta María.
Eles também atuam como apego simbólico emocional, já que representam vínculos afetivos com um lugar seguro como o nosso lar, com uma pessoa querida ou com uma experiência de vida positiva.
Outra função é fomentar uma expressão de identidade: compartilhar fotos do bicho de pelúcia viajante nas redes sociais é uma forma de reivindicar a identidade emocional por meio da ternura, da sensibilidade ou da nostalgia, sem complexos. Também pode ser uma forma de manter viva a ‘criança interior’. E, em alguns casos, atua como epicentro de um ritual pessoal, já que certos viajantes sempre levam o mesmo bicho de pelúcia, como se fosse um ‘amuleto emocional’, para reforçar o controle e trazer certa estabilidade em situações de incerteza.
Como enfrentar o medo de voar
É recomendável um bom acompanhamento psicológico para alcançar equilíbrio e bem-estar emocional, além da opção pelo objeto de apego
Getty Images
Ao viajar, muitas pessoas experimentam uma série de mudanças emocionais e cognitivas ao se deparar com novos ambientes e deslocamentos, nos quais emergem medos e emoções desadaptativas. Por isso, é recomendável um bom acompanhamento psicológico para alcançar equilíbrio e bem-estar emocional, além da opção pelo objeto de apego.
“Dentro da orientação cognitivo-comportamental, recomenda-se uma série de técnicas para gerenciar a ansiedade e melhorar a regulação emocional durante as viagens”, explica a psicóloga. “De uma perspectiva psicoeducacional, é importante entender como funciona a ansiedade e conhecer os motivos pelos quais ela dispara em diferentes situações. Isso permitirá enfrentá-la com mais recursos para canalizá-la.”
As técnicas mais eficazes para reduzir a ativação fisiológica gerada pela ansiedade são as de relaxamento e respiração, entre elas a respiração diafragmática, que permite regular o padrão respiratório, ou o relaxamento progressivo de Jacobson, que ajuda a diminuir a tensão muscular.
“Para quem tem medo de voar, é altamente recomendável aplicar a técnica de exposição in vivo, que promove a habituação da pessoa à ansiedade experimentada em uma situação específica. Essa técnica consiste em expor-se gradualmente a situações temidas, como ver fotos de aviões, ouvir sons de cabine, assistir a vídeos de aviões voando ou simular um voo em realidade virtual; até chegar ao voo real, no qual a ansiedade será reduzida após a exposição progressiva a certos estímulos indutores de ansiedade”, compartilha María.
Como técnicas eficazes para a gestão emocional nesse tipo de situação, ela também recomenda manter um diário emocional de viagem, onde se escreve as situações vividas, emoções sentidas, pensamentos originados e o comportamento desencadeado, acrescentando uma reflexão final sobre o aprendizado da situação: “Essa técnica permite identificar e nomear emoções para compreender quais podem ser os gatilhos emocionais durante a viagem e refletir sobre como são gerenciados, a fim de detectar padrões e alcançar um maior autoconhecimento, o que permitirá diminuir a intensidade emocional ao expressar com palavras o que foi vivido.”
Outra aliada recomendada é aplicar as “autoinstruções de Meichenbaum”, conceito segundo o qual a pessoa repete mensagens internas para si mesma para enfrentar melhor a situação, como: “eu consigo”, “estou preparada”, “nada de ruim vai acontecer”, etc. Nesses casos, é recomendável realizar um treinamento prévio para aplicá-las com sucesso.
Por fim, uma técnica muito útil para minimizar o impacto emocional que gera certo mal-estar é o conhecido mindfulness, centrado na atenção plena aos estímulos presentes, que reduz a ruminação e permite um maior aproveitamento do momento atual.
São diversas técnicas que não apenas ativam padrões de cura na hora de voar, mas também servem para enfrentar outros medos.
*Matéria publicada originalmente na Condé Nast Traveler Espanha.
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Viajar com bichos de pelúcia: o motivo por trás dos objetos de apego e de gestão emocional de adultos durante viagens
As principais funções emocionais e sociais dos objetos de apego em adultos durante viagens são a regulação emocional e a redução da ansiedade
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Quando crianças, é comum desenvolver apego por um brinquedo ou objeto específico, que se adota como parte do próprio universo. Mas, quando os pequenos precisam se separar de suas principais figuras de apego, como os pais, para enfrentar uma situação de solidão, muitas vezes aplica-se o conceito de objeto transicional, proposto por Donald Winnicott em 1953. Esse elemento facilita à criança o acesso a uma maior autonomia em diversas situações, como o início da escola ou até mesmo viagens de avião feitas sozinha para reencontrar um dos pais ou outros familiares, como os avós.
No entanto, com o passar do tempo, a figura do objeto de apego também tem alcançado adultos que, por diferentes motivos, encontram-se viajando pelo mundo em uma situação de insegurança e incerteza: “Em adultos, alguns objetos, como os bichos de pelúcia, podem preservar essa função simbólica de segurança e consolo”, afirma a psicóloga María González. “As pessoas que têm um estilo de apego ansioso podem apoiar-se nesse tipo de objeto para regular o mal-estar em situações de incerteza, separação ou aquelas que consideram ameaçadoras. Aplicado ao contexto de viajar, em muitos casos, ativa-se a ansiedade de separação dessas pessoas, que precisam enfrentar situações como viajar sozinhas, dormir em ambientes pouco conhecidos ou se afastar de pessoas queridas e importantes; por isso, necessitam desse tipo de objeto como suporte emocional.”
Viajar implica sair da rotina, mudar o ambiente habitual e, em muitas ocasiões, enfrentar circunstâncias estressantes, portanto, um bicho de pelúcia pode atuar como objeto de conforto. Nesse contexto, as principais funções emocionais e sociais dos objetos de apego em adultos durante viagens são a regulação emocional e a redução da ansiedade: “Em situações que podem gerar estresse, como os deslocamentos, viajar com bichos de pelúcia se torna uma ferramenta que ajuda a reduzir a ansiedade e oferece segurança emocional em um ambiente desconhecido. Além disso, ativam lembranças sensoriais que geram sensações de calma, semelhantes às vividas na infância”, acrescenta María.
Eles também atuam como apego simbólico emocional, já que representam vínculos afetivos com um lugar seguro como o nosso lar, com uma pessoa querida ou com uma experiência de vida positiva.
Outra função é fomentar uma expressão de identidade: compartilhar fotos do bicho de pelúcia viajante nas redes sociais é uma forma de reivindicar a identidade emocional por meio da ternura, da sensibilidade ou da nostalgia, sem complexos. Também pode ser uma forma de manter viva a ‘criança interior’. E, em alguns casos, atua como epicentro de um ritual pessoal, já que certos viajantes sempre levam o mesmo bicho de pelúcia, como se fosse um ‘amuleto emocional’, para reforçar o controle e trazer certa estabilidade em situações de incerteza.
Como enfrentar o medo de voar
É recomendável um bom acompanhamento psicológico para alcançar equilíbrio e bem-estar emocional, além da opção pelo objeto de apego
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Ao viajar, muitas pessoas experimentam uma série de mudanças emocionais e cognitivas ao se deparar com novos ambientes e deslocamentos, nos quais emergem medos e emoções desadaptativas. Por isso, é recomendável um bom acompanhamento psicológico para alcançar equilíbrio e bem-estar emocional, além da opção pelo objeto de apego.
“Dentro da orientação cognitivo-comportamental, recomenda-se uma série de técnicas para gerenciar a ansiedade e melhorar a regulação emocional durante as viagens”, explica a psicóloga. “De uma perspectiva psicoeducacional, é importante entender como funciona a ansiedade e conhecer os motivos pelos quais ela dispara em diferentes situações. Isso permitirá enfrentá-la com mais recursos para canalizá-la.”
As técnicas mais eficazes para reduzir a ativação fisiológica gerada pela ansiedade são as de relaxamento e respiração, entre elas a respiração diafragmática, que permite regular o padrão respiratório, ou o relaxamento progressivo de Jacobson, que ajuda a diminuir a tensão muscular.
“Para quem tem medo de voar, é altamente recomendável aplicar a técnica de exposição in vivo, que promove a habituação da pessoa à ansiedade experimentada em uma situação específica. Essa técnica consiste em expor-se gradualmente a situações temidas, como ver fotos de aviões, ouvir sons de cabine, assistir a vídeos de aviões voando ou simular um voo em realidade virtual; até chegar ao voo real, no qual a ansiedade será reduzida após a exposição progressiva a certos estímulos indutores de ansiedade”, compartilha María.
Como técnicas eficazes para a gestão emocional nesse tipo de situação, ela também recomenda manter um diário emocional de viagem, onde se escreve as situações vividas, emoções sentidas, pensamentos originados e o comportamento desencadeado, acrescentando uma reflexão final sobre o aprendizado da situação: “Essa técnica permite identificar e nomear emoções para compreender quais podem ser os gatilhos emocionais durante a viagem e refletir sobre como são gerenciados, a fim de detectar padrões e alcançar um maior autoconhecimento, o que permitirá diminuir a intensidade emocional ao expressar com palavras o que foi vivido.”
Outra aliada recomendada é aplicar as “autoinstruções de Meichenbaum”, conceito segundo o qual a pessoa repete mensagens internas para si mesma para enfrentar melhor a situação, como: “eu consigo”, “estou preparada”, “nada de ruim vai acontecer”, etc. Nesses casos, é recomendável realizar um treinamento prévio para aplicá-las com sucesso.
Por fim, uma técnica muito útil para minimizar o impacto emocional que gera certo mal-estar é o conhecido mindfulness, centrado na atenção plena aos estímulos presentes, que reduz a ruminação e permite um maior aproveitamento do momento atual.
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