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“A instalação de pontos de recarga de veículos elétricos cresceu consideravelmente no Brasil, mas ainda estamos construindo uma base normativa sólida e estrutural para garantir segurança plena. Até lá, cautela, responsabilidade técnica e cumprimento das normas já existentes são fundamentais para evitar riscos”, comenta Adriel Senna de Oliveira Candido, mestre em engenharia elétrica.
O debate sobre este assunto começou a ganhar peso no país em junho, quando o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Sergipe (CREA-SE), publicou uma nota técnica apontando os riscos estruturais associados à recarga de veículos elétricos em edificações. A grande preocupação é com incêndios envolvendo os carros com baterias de lítio.
O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Sergipe (CREA-SE) recomendou que os pontos de recarga de carros elétricos fiquem somente ao ar livre
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A entidade recomendou atenção em três pontos específicos:
a recarga de carro elétrico não deve ser realizada dentro de garagem subterrânea ou coberta, sob pilotis, independentemente da quantidade de pavimentos;
as estações de recarga precisam ficar em áreas abertas, na parte exterior da edificação;
os veículos em carregamento devem ficar, no mínimo, 3 metros uns dos outros.
De acordo com o documento do CREA_SE, as construções atuais não foram projetadas para suportar os riscos associados a um incêndio destes veículos, especialmente em ambientes fechados, com ventilação limitada.
As garagens subterrâneas precisam de adequar a nova realidade dos carros elétricos para garantir a segurança dos moradores
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Isso porque os incêndios envolvendo baterias de íons de lítio são diferentes dos convencionais e mais difíceis de serem extintos: a temperatura extremamente elevada gerada transmite calor intenso e por mais tempo às estruturas, que podem colapsar parcial ou totalmente, dependendo do tempo de exposição às chamas.
“É um fogo que vai durar, dependendo do estado de carga da bateria, que pode aquecer excessivamente. Representa perigo à estrutura do prédio”, avalia João.
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Quanto mais cheia a carga da bateria, maior é o risco em caso de fogo. “A energia da bateria é suficiente para alimentar esse processo térmico, que vai ganhando proporções cada vez maiores. Quanto maior a carga armazenada, maior a geração de calor que alimenta o incêndio”, aponta o engenheiro João Vilela, professor do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Além disso, essas baterias liberam diferentes tipos de gases tóxicos inflamáveis, como fluoreto de hidrogênio e cianeto, e mesmo após o incêndio ser apagado, pode voltar a pegar fogo facilmente (reignição).
“No carro a combustão, o incêndio é alimentado por combustível líquido, e o combate segue protocolos já conhecidos pelos bombeiros. Já no carro elétrico, além da chama inicial, há risco de reignição mesmo após o incêndio parecer controlado, devido ao comportamento químico das baterias. Isso exige estratégias específicas, como resfriamento prolongado e contenção da bateria, o que torna a situação mais delicada”, detalha Adriel.
Os incêndios envolvendo baterias de íons de lítio, comuns nos carros elétricos, são mais difíceis de serem extintos
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Nestas condições, as temperaturas podem superar mil graus, valor acima do previsto em projetos convencionais. A norma “ABNT 15200 – Projeto de estruturas de concreto em situação de incêndio” demonstra que, a partir de 600°C, a resistência à compressão do concreto sofre uma redução drástica de aproximadamente 55%, comprometendo severamente a integridade estrutural da edificação.
“Embora os prédios sejam projetados para suportar incêndios por determinado tempo, a intensidade térmica de um incêndio em um veículo elétrico é significativamente maior. Isso pode comprometer o concreto e as estruturas metálicas da edificação, aumentando o risco de colapso em situações extremas, principalmente em garagens subterrâneas mal ventiladas”, explica Adriel.
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De acordo com João, apesar de os carros elétricos atuais contarem com modernos sistemas que detectam falhas nas baterias, ainda há o risco de que esse sistema falhe em algum momento. “Neste caso, não há o que fazer no sentido de prevenção. É como um celular que se coloca para carregar e explode. Não tem como você prever”, diz.
Ele alerta, ainda, que os incêndios são mais propensos a acontecer quando se está fazendo uma recarga rápida em um posto, que estressa mais a bateria, ao contrário das cargas lentas feitas, em geral, nas casas e condomínios.
Um incêndio em uma bateria de carro elétrico pode impactar as estruturas de um edifício
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Os incêndios envolvendo carros elétricos também são mais difíceis de combater e exigem uma quantidade maior de água para serem extintos. Eles podem ser causados por falhas no sistema elétrico, curtos-circuitos, superaquecimento das baterias, danos externos ou problemas durante o carregamento.
“A principal diferença é que o fogo é mais difícil de extinguir, gera muita fumaça tóxica e pode causar efeito dominó, dificultando ou até impedindo a ação dos bombeiros. Por isso, é essencial prevenir esse tipo de incêndio e, caso ocorra, evacuar a edificação imediatamente e acionar o Corpo de Bombeiros sem demora”, alerta um documento do CREA-SC (de Santa Catarina).
Regras dos Bombeiros tornam obrigatórios sistemas de prevenção de incêndios em locais com pontos de recarga da carros elétricos
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Preocupada com o tema, a entidade catarinense lançou neste ano uma cartilha com orientações para donos de veículos, síndicos, empresas e profissionais de engenharia, além dos bombeiros, sobre a instalação de estações de recargas para veículos elétricos e como agir para evitar ou barrar um incêndio neste tipo de veículo.
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“Novas tecnologias sempre virão, este é um movimento que não há como conter, e aprende-se com os erros do passado para não repeti-los no futuro. Desafios foram vencidos quando da implementação de veículos a combustão. Acredito que o futuro está associado à eficiência energética, segurança e confiabilidade”, analisa o engenheiro eletricista Wandrigo Santetti de Freitas, assessor técnico do CREA-SC.
Novas regras dos Bombeiros
No fim de agosto, o Conselho Nacional de Comandantes-Gerais dos Corpos de Bombeiros Militares (CNCGBM) publicou um conjunto de regras para instalação de carregadores de veículos elétricos em prédios de todo o Brasil, que passam a valer a partir do fim de fevereiro de 2026 (180 dias da data da publicação).
As novas normas são um marco importante sobre o tema, que ainda não tinha uma diretriz nacional específica em casos de incêndios com esse tipo de veículo. Conforme o documento, na parte elétrica, o prédio deve, obrigatoriamente:
ter um ponto de desligamento manual de todas as estações de recarga a não mais de 5 metros da entrada principal, da entrada da garagem ou das escadas de acesso para os pavimentos da garagem;
prever ponto de desligamento manual em todas as estações de recarga a não mais de 5 metros da própria vaga;
garantir um disjuntor para corte de energia entre os módulos de recarga e a rede elétrica;
possuir sinalização do ponto de recarga e do respectivo ponto de desligamento.
Para prédios novos os bombeiros exigirão:
sistema de detecção de incêndio;
sistema de chuveiros automáticos (sprinklers);
sistema de exaustão mecânica para ventilação do ambiente;
estrutura capaz de suportar o fogo por pelo menos 2 horas.
Para edifícios já construídos, o documento requer:
a instalação de chuveiros automáticos com a malha tubulação interligada ao sistema de hidrantes;
sistema de detecção de incêndio;
gerenciamento de riscos e instalações elétricas de acordo com as normas técnicas vigentes.
As cargas rápidas, feitas em postos, oferecem maior risco de incêndio pelo estresse na bateria
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“É um trabalho estatístico, de estudo, aprendizado e um ganho de confiança que os órgãos de controle brasileiros vão adquirindo à medida que for passando o processo. A minha expectativa é de que, a cada ano, a probabilidade de um incêndio seja menor, porque várias ações estão sendo tomadas e tecnologias novas estão sendo adotadas”, fala João.
Cuidados com a instalação
A norma “NBR 17019 – Infraestrutura de recarga para veículos elétrico” é a principal norma vigente no Brasil sobre carros elétricos. Foi publicada em 2022 e fornece as diretrizes técnicas para o dimensionamento, segurança e controle das instalações de pontos de recarga, adaptando conceitos da “NBR 5410 – Instalações elétricas de baixa tensão” para essa nova aplicação.
A instalação do carregador precisa ser sempre feita por um engenheiro legalmente habilitado, que avaliará a melhor solução para a redução de riscos, e emitirá uma Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) referente aos serviços prestados.
A instalação e manutenção do ponto de recarga devem ser feitas somente por engenheiro habilitado
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Para garantir a segurança, além de seguir as normas em vigor e as regras dos bombeiros, é preciso se atentar às recomendações do engenheiro que realizou a instalação e utilizar o conjunto carregador + veículo conforme orientações do fabricante. “Qualquer anomalia, comunicar o profissional e não permitir que pessoas não habilitadas ou leigas realizem intervenções nas instalações”, frisa Wandrigo.
Fabrizio Romanzini, CEO da Rinno Energy, startup de soluções para recargas de carros elétricos, destaca, ainda, a importância de realizar inspeções periódicas e manutenção preventiva a cada 6 a 12 meses nos pontos de recarga.
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“Existem carregadores em prédios que estão instalados há um ano e meio, dois, três anos e não se fez nenhuma verificação com relação ao cabeamento, ao dispositivo de proteção, alguns testes, alguns ensaios para ver se eles estão se comportando como antes”, alerta o especialista.
Ele lembra também que os veículos devem passar por revisão conforme a indicação do fabricante para evitar qualquer risco desnecessário. “Em relação às instalações, é preciso que a norma de instalação de carregador esteja na cabeceira da cama da empresa ou do profissional. Isso já contribui imensamente para um sistema de segurança maior”, afirma.