Assim como na fronteira americana, quem chegar primeiro poderá fincar sua bandeira e definir como serão as casas na Lua Se tudo correr conforme o planejado, até 2040, pessoas poderão viver na Lua em casas feitas, basicamente, de cogumelos. Pelo menos, é assim que a astrobióloga Dra. Lynn J. Rothschild imagina. Ela visualiza habitats em forma de domo que poderiam acomodar confortavelmente três quartos, com vistas espetaculares do espaço por meio de grandes janelas. Sob uma cobertura inflável, essas casas seriam feitas de micélio, uma estrutura fúngica semelhante a raízes, um material de construção alternativo elogiado por sua durabilidade, versatilidade e resistência à água, ao mofo e ao fogo. Aqui na Terra, o micélio já é usado na fabricação de tijolos, móveis e até calçados. “O micélio tem baixa inflamabilidade e excelentes propriedades acústicas. Pode ser feito para oferecer alto isolamento térmico”, afirma Rothschild, que trabalha no Ames Research Center da NASA, no Vale do Silício, Califórnia.
Rothschild e sua equipe são apenas um dos vários grupos de pesquisa explorando as possibilidades de como seria uma base lunar: China e Rússia planejam criar uma usina nuclear na Lua, o escritório Foster + Partners está colaborando com a Agência Espacial Europeia para imprimir habitats lunares em 3D, e o Japão também tem esperanças de estabelecer sua própria colônia lunar, para citar alguns. Com tantos projetos em andamento, surge a pergunta: quem está realmente autorizado a começar a construir?
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Quem pode construir na Lua?
O conceito de habitação lunar do Dra. Rothschild inclui uma estrutura feita de micélio e uma concha inflável
Cortesia de Redhouse/Reprodução AD EUA
Há um motivo pelo qual Star Trek chamou o espaço sideral de “a fronteira final”. Estabelecer assentamentos em corpos extraterrestres é um pouco como reivindicar terras no antigo Velho Oeste — quem chegar primeiro pode fincar sua bandeira, com algumas limitações. O Tratado do Espaço Exterior de 1967 e os Acordos Ártemis de 2020 determinam que nenhum país pode ser dono da Lua e estabelecem diretrizes de conduta lunar. No entanto, indivíduos podem explorar, construir estruturas e minerar a Lua em busca de seus minerais.
Neste contexto, Estados Unidos, China, Japão, Rússia e Índia já pousaram sondas lunares com sucesso, mas os EUA continuam sendo o único país que enviou humanos à superfície da Lua. Todos esses países estão atualmente disputando uma “fatia do terreno lunar”. A empresa japonesa de exploração espacial ispace pretende atingir o mesmo cronograma dos EUA para construir habitats até 2040. Contudo, enfrenta dificuldades após várias tentativas fracassadas de pousar uma sonda na Lua. Enquanto isso, China e Rússia estão colaborando no projeto chamado Estação Internacional de Pesquisa Lunar, cuja construção deve começar após 2028. A dupla considera usar uma usina nuclear para alimentá-la. Azerbaijão, Bielorússia, Egito, Cazaquistão, Nicarágua, Sérvia, Paquistão, Senegal, África do Sul, Tailândia e Venezuela também aderiram ao projeto, embora os projetos oficiais da estação e da usina ainda não tenham sido divulgados.
Como o “imobiliário lunar” poderá ser dividido?
Buzz Aldrin pisando na lua em 1969
Cortesia da NASA/Reprodução AD EUA
Se diversos países conseguirem construir uma base lunar, centros de pesquisa, habitats ou mesmo uma usina na superfície da Lua, cada um será operado por astronautas de sua respectiva nação e parceiros. A distribuição seria semelhante às estações de pesquisa permanentes na Antártida, distribuídas por regiões do globo, mas com base na ordem de chegada.
Para alguns, isso é motivo de preocupação. Em janeiro, o Fundo Mundial de Monumentos (World Monuments Fund, WMF) incluiu a Lua na lista de observação de monumentos de 2025, devido ao risco de novos exploradores danificarem seus “mais de 90 locais históricos e incontáveis artefatos, incluindo o módulo de pouso da Apollo 11, a primeira pegada de Neil Armstrong e o disco de mensagens de boa vontade de 72 nações”, afirma a CEO do WMF, Bénédicte de Montlaur. “Tratados como o do Espaço Exterior e os Acordos Ártemis reconhecem o patrimônio espacial, mas carecem de mecanismos de fiscalização”, afirma. “Uma cooperação internacional — inspirada no Tratado da Antártida — poderia estabelecer proteções obrigatórias.”
Os Estados Unidos não estão necessariamente focados em fundar habitats onde existam sítios históricos lunares. O plano Moon to Mars da NASA, que pretende estabelecer casas na Lua e depois em Marte (talvez com base nas pesquisas de Rothschild), está focado no Polo Sul da Lua. No entanto, isso não impede que outros astronautas, ou mesmo empresas privadas capazes de alcançar a Lua, não possam danificar esses locais importantes.
Como seriam, na prática, as casas lunares?
Uma olhada nos habitats lunares da Foster + Partners
Aaron Hargreaves/Reprodução AD EUA
Até 2040, a NASA espera ter construído habitats de longo prazo na superfície da Lua e, mais adiante, em Marte. Mas isso não é tão simples quanto lançar materiais tradicionais de construção ao espaço. Além de querer evitar que vigas de aço ou madeira ocupem valiosos metros quadrados dentro de naves espaciais, construir na Lua exige uma arquitetura específica que possa lidar com sua atmosfera fina e não respirável, que causa flutuações extremas de temperatura e não oferece proteção contra radiação, nem impactos de meteoritos. Por isso, alguns projetos da NASA exploram o uso do próprio solo lunar para construir as futuras casas da Lua, combinado com tecnologias avançadas de construção que estão sendo aperfeiçoadas na Terra.
“As inovações da Terra — voltadas para regulação térmica, eficiência de recursos e resiliência estrutural — servem como base para projetar habitats lunares capazes de suportar temperaturas extremas, radiação e impactos de micrometeoritos, garantindo a sobrevivência humana de longo prazo fora do planeta”, explica Irene Gallou, sócia sênior do escritório de arquitetura Foster + Partners, que trabalha com a NASA no desenvolvimento de habitats lunares e marcianos desde 2015.
Os projetos lunares do estúdio, recentemente exibidos no Kennedy Center na mostra “Earth to Space: Arts Breaking the Sky”, “apostam em impressão 3D, montagem robótica e uso de materiais locais derivados do regolito lunar (a camada superficial do solo lunar) para criar habitats sustentáveis e de baixo custo”, diz Gallou. Semelhante às casas impressas em 3D na Terra, o processo exigiria que impressoras robóticas autônomas, e possivelmente andaimes infláveis, fossem enviados antes para iniciar a construção. Uma mistura de regolito substituiria o concreto ou argamassa tradicionais.
Já as estruturas feitas de micélio, como propõe Rothschild, representam uma abordagem ainda mais ecológica, que poderia evitar o transporte de máquinas pesadas. “Na Terra, a vida sempre foi um material comum de construção — de peles e ossos em abrigos primitivos até estruturas de madeira nos dias de hoje”, explica ela. “Há muitos motivos para usar materiais biológicos — e escolhemos um que deve ser ideal fora do planeta.”
Entre os benefícios adicionais, fungos de cor escura podem oferecer maior proteção contra radiação UV e cósmica. Além disso, podem ser compostados quando não forem mais necessários. “Eles também têm ótimas propriedades biofílicas”, acrescenta Rothschild, referindo-se à ideia de que incorporar elementos da natureza no ambiente construído pode reduzir o estresse e melhorar a função cognitiva dos moradores, entre outros benefícios.
Onde ficariam localizadas as casas na Lua?
As habitações lunares provavelmente seriam construídas onde a Lua oferecer os melhores recursos. A pesquisa de Rothschild, por exemplo, explora a possibilidade de cultivar estruturas de micélio diretamente no local — basta adicionar água. Há indícios da presença de gelo em crateras profundas e sombreadas no Polo Sul da Lua — por isso a NASA e a China estão concentrando suas missões nessa região, embora extrair essa água seja um desafio.
Uma solução que a equipe de Rothschild está explorando é pré-cultivar o micélio com lascas de madeira dentro de uma estrutura inflável na Terra e então “ativá-lo” após o transporte para a Lua, permitindo que a estrutura se solidifique. “Esperamos usar a água já disponível na Lua para poupar a massa necessária para transportar água da Terra”, ela acrescenta.
Além da possível presença de água, o Polo Sul lunar é um bom local para habitats por oferecer “iluminação quase constante, ideal para geração de energia via células solares”, segundo Gallou. A Foster + Partners, em parceria com a Branch Technology, projetou recentemente uma torre solar de coleta de energia de 50 metros de altura para a NASA, capaz de gerar energia para estruturas autossuficientes de trabalho.
Assim como na Terra, os humanos precisarão de itens essenciais em habitats lunares — comida, água e abrigo. Se a Lua provar que pode oferecer os três, ela poderá se tornar um lugar que também chamaremos de lar.
*Matéria originalmente publicada na Architectural Digest Estados Unidos.
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Rothschild e sua equipe são apenas um dos vários grupos de pesquisa explorando as possibilidades de como seria uma base lunar: China e Rússia planejam criar uma usina nuclear na Lua, o escritório Foster + Partners está colaborando com a Agência Espacial Europeia para imprimir habitats lunares em 3D, e o Japão também tem esperanças de estabelecer sua própria colônia lunar, para citar alguns. Com tantos projetos em andamento, surge a pergunta: quem está realmente autorizado a começar a construir?
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Quem pode construir na Lua?
O conceito de habitação lunar do Dra. Rothschild inclui uma estrutura feita de micélio e uma concha inflável
Cortesia de Redhouse/Reprodução AD EUA
Há um motivo pelo qual Star Trek chamou o espaço sideral de “a fronteira final”. Estabelecer assentamentos em corpos extraterrestres é um pouco como reivindicar terras no antigo Velho Oeste — quem chegar primeiro pode fincar sua bandeira, com algumas limitações. O Tratado do Espaço Exterior de 1967 e os Acordos Ártemis de 2020 determinam que nenhum país pode ser dono da Lua e estabelecem diretrizes de conduta lunar. No entanto, indivíduos podem explorar, construir estruturas e minerar a Lua em busca de seus minerais.
Neste contexto, Estados Unidos, China, Japão, Rússia e Índia já pousaram sondas lunares com sucesso, mas os EUA continuam sendo o único país que enviou humanos à superfície da Lua. Todos esses países estão atualmente disputando uma “fatia do terreno lunar”. A empresa japonesa de exploração espacial ispace pretende atingir o mesmo cronograma dos EUA para construir habitats até 2040. Contudo, enfrenta dificuldades após várias tentativas fracassadas de pousar uma sonda na Lua. Enquanto isso, China e Rússia estão colaborando no projeto chamado Estação Internacional de Pesquisa Lunar, cuja construção deve começar após 2028. A dupla considera usar uma usina nuclear para alimentá-la. Azerbaijão, Bielorússia, Egito, Cazaquistão, Nicarágua, Sérvia, Paquistão, Senegal, África do Sul, Tailândia e Venezuela também aderiram ao projeto, embora os projetos oficiais da estação e da usina ainda não tenham sido divulgados.
Como o “imobiliário lunar” poderá ser dividido?
Buzz Aldrin pisando na lua em 1969
Cortesia da NASA/Reprodução AD EUA
Se diversos países conseguirem construir uma base lunar, centros de pesquisa, habitats ou mesmo uma usina na superfície da Lua, cada um será operado por astronautas de sua respectiva nação e parceiros. A distribuição seria semelhante às estações de pesquisa permanentes na Antártida, distribuídas por regiões do globo, mas com base na ordem de chegada.
Para alguns, isso é motivo de preocupação. Em janeiro, o Fundo Mundial de Monumentos (World Monuments Fund, WMF) incluiu a Lua na lista de observação de monumentos de 2025, devido ao risco de novos exploradores danificarem seus “mais de 90 locais históricos e incontáveis artefatos, incluindo o módulo de pouso da Apollo 11, a primeira pegada de Neil Armstrong e o disco de mensagens de boa vontade de 72 nações”, afirma a CEO do WMF, Bénédicte de Montlaur. “Tratados como o do Espaço Exterior e os Acordos Ártemis reconhecem o patrimônio espacial, mas carecem de mecanismos de fiscalização”, afirma. “Uma cooperação internacional — inspirada no Tratado da Antártida — poderia estabelecer proteções obrigatórias.”
Os Estados Unidos não estão necessariamente focados em fundar habitats onde existam sítios históricos lunares. O plano Moon to Mars da NASA, que pretende estabelecer casas na Lua e depois em Marte (talvez com base nas pesquisas de Rothschild), está focado no Polo Sul da Lua. No entanto, isso não impede que outros astronautas, ou mesmo empresas privadas capazes de alcançar a Lua, não possam danificar esses locais importantes.
Como seriam, na prática, as casas lunares?
Uma olhada nos habitats lunares da Foster + Partners
Aaron Hargreaves/Reprodução AD EUA
Até 2040, a NASA espera ter construído habitats de longo prazo na superfície da Lua e, mais adiante, em Marte. Mas isso não é tão simples quanto lançar materiais tradicionais de construção ao espaço. Além de querer evitar que vigas de aço ou madeira ocupem valiosos metros quadrados dentro de naves espaciais, construir na Lua exige uma arquitetura específica que possa lidar com sua atmosfera fina e não respirável, que causa flutuações extremas de temperatura e não oferece proteção contra radiação, nem impactos de meteoritos. Por isso, alguns projetos da NASA exploram o uso do próprio solo lunar para construir as futuras casas da Lua, combinado com tecnologias avançadas de construção que estão sendo aperfeiçoadas na Terra.
“As inovações da Terra — voltadas para regulação térmica, eficiência de recursos e resiliência estrutural — servem como base para projetar habitats lunares capazes de suportar temperaturas extremas, radiação e impactos de micrometeoritos, garantindo a sobrevivência humana de longo prazo fora do planeta”, explica Irene Gallou, sócia sênior do escritório de arquitetura Foster + Partners, que trabalha com a NASA no desenvolvimento de habitats lunares e marcianos desde 2015.
Os projetos lunares do estúdio, recentemente exibidos no Kennedy Center na mostra “Earth to Space: Arts Breaking the Sky”, “apostam em impressão 3D, montagem robótica e uso de materiais locais derivados do regolito lunar (a camada superficial do solo lunar) para criar habitats sustentáveis e de baixo custo”, diz Gallou. Semelhante às casas impressas em 3D na Terra, o processo exigiria que impressoras robóticas autônomas, e possivelmente andaimes infláveis, fossem enviados antes para iniciar a construção. Uma mistura de regolito substituiria o concreto ou argamassa tradicionais.
Já as estruturas feitas de micélio, como propõe Rothschild, representam uma abordagem ainda mais ecológica, que poderia evitar o transporte de máquinas pesadas. “Na Terra, a vida sempre foi um material comum de construção — de peles e ossos em abrigos primitivos até estruturas de madeira nos dias de hoje”, explica ela. “Há muitos motivos para usar materiais biológicos — e escolhemos um que deve ser ideal fora do planeta.”
Entre os benefícios adicionais, fungos de cor escura podem oferecer maior proteção contra radiação UV e cósmica. Além disso, podem ser compostados quando não forem mais necessários. “Eles também têm ótimas propriedades biofílicas”, acrescenta Rothschild, referindo-se à ideia de que incorporar elementos da natureza no ambiente construído pode reduzir o estresse e melhorar a função cognitiva dos moradores, entre outros benefícios.
Onde ficariam localizadas as casas na Lua?
As habitações lunares provavelmente seriam construídas onde a Lua oferecer os melhores recursos. A pesquisa de Rothschild, por exemplo, explora a possibilidade de cultivar estruturas de micélio diretamente no local — basta adicionar água. Há indícios da presença de gelo em crateras profundas e sombreadas no Polo Sul da Lua — por isso a NASA e a China estão concentrando suas missões nessa região, embora extrair essa água seja um desafio.
Uma solução que a equipe de Rothschild está explorando é pré-cultivar o micélio com lascas de madeira dentro de uma estrutura inflável na Terra e então “ativá-lo” após o transporte para a Lua, permitindo que a estrutura se solidifique. “Esperamos usar a água já disponível na Lua para poupar a massa necessária para transportar água da Terra”, ela acrescenta.
Além da possível presença de água, o Polo Sul lunar é um bom local para habitats por oferecer “iluminação quase constante, ideal para geração de energia via células solares”, segundo Gallou. A Foster + Partners, em parceria com a Branch Technology, projetou recentemente uma torre solar de coleta de energia de 50 metros de altura para a NASA, capaz de gerar energia para estruturas autossuficientes de trabalho.
Assim como na Terra, os humanos precisarão de itens essenciais em habitats lunares — comida, água e abrigo. Se a Lua provar que pode oferecer os três, ela poderá se tornar um lugar que também chamaremos de lar.
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