Imagine um móvel de madeira feito com tanta precisão que pode durar séculos, devido à resistência de seus encaixes, sem precisar de pregos ou parafusos. Essa é a essência do sashimono, técnica de marcenaria tradicional japonesa que transforma a carpintaria em arte. É uma prova da paciência e da habilidade artesanal, fruto da filosofia de respeito à madeira e do domínio de ferramentas manuais.
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“Os japoneses gostam de apreciar a textura e o cheiro de matéria-prima, o que levou ao desenvolvimento de construções em madeira sem pintura e de aparência simples, mas com complexos encaixes por dentro. Lá, existe uma tradição de deixar o que é visível simples e caprichar na parte oculta”, conta Morito Ebine, marceneiro japonês radicado no Brasil, conhecido por seu trabalho com móveis de encaixe.
A técnica sashimono resulta em junções extremamente fortes e duráveis, que se assemelham a um quebra-cabeça e proporcionam visual uniforme e resistente às peças
Andy Li/Wikimedia Commons
“O sashimono se distingue pelas junções invisíveis e total ausência de ferragens, diferentemente da marcenaria ocidental tradicional, que muitas vezes depende de parafusos e colas. É uma técnica baseada na precisão milimétrica dos encaixes, transmitindo leveza e permanência”, acrescenta o arquiteto e designer de interiores Guilherme Torrês.
A origem do sashimono
O sashimono surgiu no Japão antigo, devido à falta de ferro de boa qualidade, o que levou ao desenvolvimento de métodos alternativos de construção. “O ferro pode enferrujar e a cola pode se soltar com tempo, mas se for fixado com encaixe da própria madeira, pode durar por muitos anos. Existem móveis com mais de mil anos”, relata Morito.
O período Edo (1603–1867) foi de avanço para a arte da marcenaria, especialmente para o sashimono, que se tornou mais sofisticado e usado em móveis de alta qualidade e na decoração de templos. “No Japão, os objetos de madeira são separados em duas categorias: sashimono e kurimono. Sashimono é feito com várias madeiras unidas por encaixes, como cômodas e cadeiras. Já o kurimono é oposto disso, feito com única madeira, como tigela e pilão”, ele acrescenta.
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Com essa técnica, os artesãos costumavam produzir vários itens de madeira, incluindo móveis, utensílios domésticos e até estruturas arquitetônicas, como templos e casas. “Diversos tipos de objetos eram feitos tradicionalmente com sashimono, desde tampas de panelas, até portas, medidores de volume, pontes, carroças e entre outros”, complementa o marceneiro.
Vantagens de usar o sashimono
O método é valorizado por sua durabilidade, resistência, estabilidade e facilidade de reparos, visto que uma única peça danificada pode ser substituída. A estética é outro ponto forte, com junções precisas que criam estruturas impressionantes e de alta qualidade.
“A técnica confere alta durabilidade, flexibilidade para manutenção, beleza dos encaixes invisíveis e respeito à matéria-prima, a madeira. O acabamento limpo e artesanal traz autenticidade ao projeto. Mas ao mesmo tempo, é extremamente complexo de se projetar e executar”, afirma Guilherme.
Tipos de encaixes e ferramentas utilizadas
Os principais tipos de encaixes no sashimono são definidos pela sua orientação espacial:
Tategumi (encaixe vertical);
Yokogumi (encaixe horizontal);
Hiragumi (encaixe em plano);
Koshigumi (encaixe em ângulo);
Shiho Kama Tsugi (pescoço de ganso de quatro faces), que utiliza espigas diagonais para travar a junta;
Hozo (união de peças estendidas que se encaixam em um corte);
Tsunagi (encaixe que envolve padrões geométricos delicados e complexos).
A marcenaria japonesa sashimono utiliza ferramentas tradicionais como formões, serras e plainas para criar encaixes precisos em madeira
Unsplash/Steve Mushero/Creative Commons
Segundo Morito, os encaixes mais utilizados são espiga e furo, além de uma grande variedade de tipos de rabo de andorinha ou malhetes. “A precisão é importante, mas é essencial entender que a madeira tende a resistir e alterar sua dimensão. É preciso deixar que a madeira se mova com as mudanças de umidade do ar, ao mesmo tempo que se mantém os encaixes unidos sem perder resistência mecânica. Há mais de mil anos as pessoas vêm criando encaixes e testando-os ao longo do tempo”, ele comenta.
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As ferramentas tradicionais do sashimono incluem serras japonesas e ferramentas de entalhe. “São utilizadas plaina, formão e serrote. É fundamental usar ferramentas afiadas para realizar encaixes de qualidade”, acrescenta Morito.
O segredo do sashimono
A técnica utiliza encaixes milimétricos, semelhantes a um quebra-cabeça, que são extremamente resistentes por si só. Como não são utilizados pregos ou parafusos, as conexões não enferrujam nem se deterioram com o passar do tempo, o que contribui para a durabilidade da estrutura. Os encaixes acomodam a expansão e contração naturais da madeira, o que reforça a estrutura com o passar do tempo.
O processo de encaixe do sashimono exige alta precisão e considera as fibras da madeira, a tensão, o peso e a umidade para criar juntas complexas e personalizadas
Viajestelar/Wikimedia Commons
As juntas uniformes favorecem a distribuição mais equilibrada e estável, aumentando a durabilidade e estabilidade das peças. “No Japão, ocorrem terremotos, e para resistir é interessante ter certa liberdade de movimento nas juntas para evitar quebras. Acredito que esse seja o motivo pelo qual o encaixe complexo de construção se desenvolveu bastante por lá”, comenta Morito.
Sua estética é caracterizada pela funcionalidade. “Os encaixes invisíveis ampliam a sensação de minimalismo e ordem visual, proporcionando ergonomia e conforto tátil. O usuário sente a leveza e vê o espaço como integrado e tranquilo. É como poesia”, opina Guilherme.
Aplicação do sashimono atualmente
Hoje em dia, no mercado brasileiro de design, a busca por precisão construtiva em interiores se restringe a tendências. O sashimono é utilizado tanto de maneira artesanal quanto moderna, adotando novas tecnologias para melhorar a precisão dos encaixes.
“O sashimono traz sofisticação e simplicidade, casando bem com o design contemporâneo que prioriza linhas limpas, uso racional de materiais e conexão sensorial com o espaço. A estética é percebida como luxo silencioso, sem ostentação e traz tradição milenar em contraste com o contemporâneo”, destaca Guilherme.
Nesta sala de jantar, a técnica milenar sashimono se revela nas paredes, onde os encaixes de madeira formam um padrão de treliça que une a tradição japonesa e sua influência cultural
Denilson Machado/MCA Estúdio/Divulgação | Projeto do arquiteto Guilherme Torrês
O artesão japonês acredita que ainda existam marceneiros que produzem peças usando ferramentas manuais, mas uma parte significativa do processo está integrada à tecnologia moderna. “Sinto que continuo muito longe de chegar no nível que eu gostaria de atingir. Fico admirado com a capacidade das pessoas de renovar e sofisticar encaixes até hoje”, admite Morito.
Nesta cozinha, destaque para as banquetas de Morito Ebine, produzidas com a técnica sashimono
Evelyn Müller/Divulgação | Produção: Deborah Apsan/Divulgação | Projeto do arquiteto Rogerio Shinagawa
“Existem softwares de modelagem paramétrica e ferramentas que facilitam cortes precisos e encaixes complexos, mantendo o rigor milimétrico e acelerando o processo artesanal de montagem e encaixes”, revela o arquiteto.
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Ele ainda considera que a técnica é mais eficiente em interiores e mobiliário de alto padrão. “Para estruturas maiores, como elementos arquitetônicos de casas, exige adaptações técnicas e amplas dimensões de madeira”, aponta.
Desafios da técnica
Os principais desafios do sashimono são a precisão e a complexidade exigidas para criar os encaixes, a dificuldade em transmitir o conhecimento e a competição com ferramentas e técnicas modernas, além de equilibrar a preservação com a inovação.
Nesta varanda, ao fundo, par de cadeiras do Atelier Morito Ebine, feitas com a técnica sashimono. Projeto do escritório Shinagawa Arquitetura
Evelyn Müller/Divulgação | Produção: Deborah Apsan/Divulgação
“Talvez a desvalorização da qualidade seja o principal desafio. Quando há duas peças semelhantes e nenhuma diferença de qualidade é percebida, as pessoas tendem a optar pela mais barata. Pode ser que quem observa não tenha conhecimento ou que quem está realizando não esteja se esforçando”, opina Morito.
Para o arquiteto Guilherme, os principais desafios são encontrar madeira compatível, respeitar o clima local e treinar marceneiros na precisão dos encaixes. “Fora do Japão, é preciso adaptar a tradição ao contexto fabril nacional e treinar a mão de obra”, pontua. Afinal, é grande a responsabilidade de transmitir o saber dos antepassados à nova geração.
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“Os japoneses gostam de apreciar a textura e o cheiro de matéria-prima, o que levou ao desenvolvimento de construções em madeira sem pintura e de aparência simples, mas com complexos encaixes por dentro. Lá, existe uma tradição de deixar o que é visível simples e caprichar na parte oculta”, conta Morito Ebine, marceneiro japonês radicado no Brasil, conhecido por seu trabalho com móveis de encaixe.
A técnica sashimono resulta em junções extremamente fortes e duráveis, que se assemelham a um quebra-cabeça e proporcionam visual uniforme e resistente às peças
Andy Li/Wikimedia Commons
“O sashimono se distingue pelas junções invisíveis e total ausência de ferragens, diferentemente da marcenaria ocidental tradicional, que muitas vezes depende de parafusos e colas. É uma técnica baseada na precisão milimétrica dos encaixes, transmitindo leveza e permanência”, acrescenta o arquiteto e designer de interiores Guilherme Torrês.
A origem do sashimono
O sashimono surgiu no Japão antigo, devido à falta de ferro de boa qualidade, o que levou ao desenvolvimento de métodos alternativos de construção. “O ferro pode enferrujar e a cola pode se soltar com tempo, mas se for fixado com encaixe da própria madeira, pode durar por muitos anos. Existem móveis com mais de mil anos”, relata Morito.
O período Edo (1603–1867) foi de avanço para a arte da marcenaria, especialmente para o sashimono, que se tornou mais sofisticado e usado em móveis de alta qualidade e na decoração de templos. “No Japão, os objetos de madeira são separados em duas categorias: sashimono e kurimono. Sashimono é feito com várias madeiras unidas por encaixes, como cômodas e cadeiras. Já o kurimono é oposto disso, feito com única madeira, como tigela e pilão”, ele acrescenta.
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Com essa técnica, os artesãos costumavam produzir vários itens de madeira, incluindo móveis, utensílios domésticos e até estruturas arquitetônicas, como templos e casas. “Diversos tipos de objetos eram feitos tradicionalmente com sashimono, desde tampas de panelas, até portas, medidores de volume, pontes, carroças e entre outros”, complementa o marceneiro.
Vantagens de usar o sashimono
O método é valorizado por sua durabilidade, resistência, estabilidade e facilidade de reparos, visto que uma única peça danificada pode ser substituída. A estética é outro ponto forte, com junções precisas que criam estruturas impressionantes e de alta qualidade.
“A técnica confere alta durabilidade, flexibilidade para manutenção, beleza dos encaixes invisíveis e respeito à matéria-prima, a madeira. O acabamento limpo e artesanal traz autenticidade ao projeto. Mas ao mesmo tempo, é extremamente complexo de se projetar e executar”, afirma Guilherme.
Tipos de encaixes e ferramentas utilizadas
Os principais tipos de encaixes no sashimono são definidos pela sua orientação espacial:
Tategumi (encaixe vertical);
Yokogumi (encaixe horizontal);
Hiragumi (encaixe em plano);
Koshigumi (encaixe em ângulo);
Shiho Kama Tsugi (pescoço de ganso de quatro faces), que utiliza espigas diagonais para travar a junta;
Hozo (união de peças estendidas que se encaixam em um corte);
Tsunagi (encaixe que envolve padrões geométricos delicados e complexos).
A marcenaria japonesa sashimono utiliza ferramentas tradicionais como formões, serras e plainas para criar encaixes precisos em madeira
Unsplash/Steve Mushero/Creative Commons
Segundo Morito, os encaixes mais utilizados são espiga e furo, além de uma grande variedade de tipos de rabo de andorinha ou malhetes. “A precisão é importante, mas é essencial entender que a madeira tende a resistir e alterar sua dimensão. É preciso deixar que a madeira se mova com as mudanças de umidade do ar, ao mesmo tempo que se mantém os encaixes unidos sem perder resistência mecânica. Há mais de mil anos as pessoas vêm criando encaixes e testando-os ao longo do tempo”, ele comenta.
Leia mais
As ferramentas tradicionais do sashimono incluem serras japonesas e ferramentas de entalhe. “São utilizadas plaina, formão e serrote. É fundamental usar ferramentas afiadas para realizar encaixes de qualidade”, acrescenta Morito.
O segredo do sashimono
A técnica utiliza encaixes milimétricos, semelhantes a um quebra-cabeça, que são extremamente resistentes por si só. Como não são utilizados pregos ou parafusos, as conexões não enferrujam nem se deterioram com o passar do tempo, o que contribui para a durabilidade da estrutura. Os encaixes acomodam a expansão e contração naturais da madeira, o que reforça a estrutura com o passar do tempo.
O processo de encaixe do sashimono exige alta precisão e considera as fibras da madeira, a tensão, o peso e a umidade para criar juntas complexas e personalizadas
Viajestelar/Wikimedia Commons
As juntas uniformes favorecem a distribuição mais equilibrada e estável, aumentando a durabilidade e estabilidade das peças. “No Japão, ocorrem terremotos, e para resistir é interessante ter certa liberdade de movimento nas juntas para evitar quebras. Acredito que esse seja o motivo pelo qual o encaixe complexo de construção se desenvolveu bastante por lá”, comenta Morito.
Sua estética é caracterizada pela funcionalidade. “Os encaixes invisíveis ampliam a sensação de minimalismo e ordem visual, proporcionando ergonomia e conforto tátil. O usuário sente a leveza e vê o espaço como integrado e tranquilo. É como poesia”, opina Guilherme.
Aplicação do sashimono atualmente
Hoje em dia, no mercado brasileiro de design, a busca por precisão construtiva em interiores se restringe a tendências. O sashimono é utilizado tanto de maneira artesanal quanto moderna, adotando novas tecnologias para melhorar a precisão dos encaixes.
“O sashimono traz sofisticação e simplicidade, casando bem com o design contemporâneo que prioriza linhas limpas, uso racional de materiais e conexão sensorial com o espaço. A estética é percebida como luxo silencioso, sem ostentação e traz tradição milenar em contraste com o contemporâneo”, destaca Guilherme.
Nesta sala de jantar, a técnica milenar sashimono se revela nas paredes, onde os encaixes de madeira formam um padrão de treliça que une a tradição japonesa e sua influência cultural
Denilson Machado/MCA Estúdio/Divulgação | Projeto do arquiteto Guilherme Torrês
O artesão japonês acredita que ainda existam marceneiros que produzem peças usando ferramentas manuais, mas uma parte significativa do processo está integrada à tecnologia moderna. “Sinto que continuo muito longe de chegar no nível que eu gostaria de atingir. Fico admirado com a capacidade das pessoas de renovar e sofisticar encaixes até hoje”, admite Morito.
Nesta cozinha, destaque para as banquetas de Morito Ebine, produzidas com a técnica sashimono
Evelyn Müller/Divulgação | Produção: Deborah Apsan/Divulgação | Projeto do arquiteto Rogerio Shinagawa
“Existem softwares de modelagem paramétrica e ferramentas que facilitam cortes precisos e encaixes complexos, mantendo o rigor milimétrico e acelerando o processo artesanal de montagem e encaixes”, revela o arquiteto.
Leia mais
Ele ainda considera que a técnica é mais eficiente em interiores e mobiliário de alto padrão. “Para estruturas maiores, como elementos arquitetônicos de casas, exige adaptações técnicas e amplas dimensões de madeira”, aponta.
Desafios da técnica
Os principais desafios do sashimono são a precisão e a complexidade exigidas para criar os encaixes, a dificuldade em transmitir o conhecimento e a competição com ferramentas e técnicas modernas, além de equilibrar a preservação com a inovação.
Nesta varanda, ao fundo, par de cadeiras do Atelier Morito Ebine, feitas com a técnica sashimono. Projeto do escritório Shinagawa Arquitetura
Evelyn Müller/Divulgação | Produção: Deborah Apsan/Divulgação
“Talvez a desvalorização da qualidade seja o principal desafio. Quando há duas peças semelhantes e nenhuma diferença de qualidade é percebida, as pessoas tendem a optar pela mais barata. Pode ser que quem observa não tenha conhecimento ou que quem está realizando não esteja se esforçando”, opina Morito.
Para o arquiteto Guilherme, os principais desafios são encontrar madeira compatível, respeitar o clima local e treinar marceneiros na precisão dos encaixes. “Fora do Japão, é preciso adaptar a tradição ao contexto fabril nacional e treinar a mão de obra”, pontua. Afinal, é grande a responsabilidade de transmitir o saber dos antepassados à nova geração.



