Sítio Roberto Burle Marx: a grande obra do icônico paisagista brasileiro

Considerado Patrimônio Mundial pela Unesco, o local preserva jardins e coleções botânica e de arte de Roberto Burle Marx, sendo o mais completo retrato da obra do principal paisagista brasileiro Até a década de 1940, quem quisesse um jardim tropical no Brasil simplesmente não teria onde comprar as plantas. No país com a maior biodiversidade do mundo – são mais de 44 mil espécies nativas de flora –, o paisagismo era predominantemente de estilo europeu, reflexo do colonialismo. Assim, Roberto Burle Marx, considerado o primeiro paisagista moderno e tropical, não encontrava plantas para os seus projetos nos viveiros e hortos das principais cidades brasileiras.
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Essa é a origem do Sítio Roberto Burle Marx, Patrimônio Cultural Brasileiro pelo Iphan e Patrimônio Mundial pela Unesco. Conheça abaixo mais sobre a história e preservação do Sítio, e também sobre o paisagismo de Roberto Burle Marx.
A história do Sítio Roberto Burle Marx
A antiga casa do Sítio foi reformada por Burle Marx, preservando seu estilo colonial. O jardim tem trepadeira congéia, originária da Ásia, e bromélias nativas Portea petropolitana, gravatá e Dyckia burle-marxii, batizada em homenagem a Burle Marx. Ainda, lança-de-São-Jorge, originária da África, e Zamia pumila, das Antilhas. A dupla de palmeiras é a nativa coco-da-quaresma
Oscar Liberal/Iphan/Divulgação
Burle Marx comprou a propriedade rural em 1949, com seu irmão Guilherme Siegfried, para abrigar sua coleção botânica, testar novas associações de plantas e cultivar mudas. Nesse período, ele já tinha uma carreira consolidada como paisagista moderno, tendo realizado projetos como os jardins do Palácio Capanema, no Rio de Janeiro (RJ), do Conjunto Arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte (MG) e do Grande Hotel Thermas de Araxá (MG).
Ele também já tinha uma coleção considerável de plantas e queria um lugar para cultivá-las, aclimatá-las e onde pudesse realizar experimentos. O paisagista buscava uma topografia acidentada, com abundância de água e rochas, o que encontrou no Sítio Santo Antônio da Bica, na zona oeste do Rio de Janeiro (RJ).
Capela Santo Antônio da Bica, erguida em 1690. O caminho até ela é cercado de palmeiras-imperiais, originárias das Antilhas, e por flores nativas alamandas-amarelas
Oscar Liberal/Iphan/Divulgação
Com 405 mil m², a propriedade foi transformada no Sítio Roberto Burle Marx, com jardins, lagos e 12 mil m² dedicados a viveiros – ou, como Burle Marx chamava, sombrais, onde são cultivadas plantas de meia-sombra, que representam boa parte da coleção. O Sítio conta também com 2/3 de sua área dedicados à mata atlântica preservada, como parte do Parque Estadual da Pedra Branca, que é uma área de proteção ambiental.
O Sítio Roberto Burle Marx abriga também as coleções do paisagista, em curadoria organizada por ele mesmo. A Sala das Cerâmicas é destaque de arte popular brasileira
Oscar Liberal/Iphan/Divulgação
Quando Burle Marx comprou o Sítio, havia uma casa antiga em mau estado de conservação e uma capela do século 18. Burle Marx restaurou o local religioso com o auxílio do arquiteto Lucio Costa, que era seu amigo, e, aos poucos, foi reformando o imóvel, mantendo suas características de casa colonial.
Ali, ele guardava suas coleções de arte moderna, cusquenha, pré-colombiana, sacra e popular brasileira, de cristais e conchas. A partir de 1973, a casa passou também a ser sua residência principal.
Na Loggia, Burle Marx realizava pinturas. Os azulejos que revestem as paredes são também sua obra – a arte de Burle Marx ia além do paisagismo
Oscar Liberal/Iphan/Divulgação
Além dessas duas construções pré-existentes, foram erguidas mais quatro: a Casa de Pedra, de Siegfried; a Cozinha de Pedra, salão de festas onde Burle Marx recebia a elite intelectual da época; a Loggia, onde pintava; e o Ateliê, projeto dos arquitetos Janete Costa e Acácio Gil Borsoi para o novo lar e ateliê de Burle Marx, mas que acabou não ficando pronto antes de seu falecimento, em 1994.
O Ateliê foi projetado por Janete Costa e Acácio Gil Borsoi para a velhice de Burle Marx, porém, ele acabou falecendo antes de sua finalização. Destaque para a escultura “Cristo dos Afogados”, ao fundo, do artista cearense Cícero Simplício, além de obras de arte de autoria de Burle Marx
Oscar Liberal/Iphan/Divulgação
Em 1985, aos 76 anos, ciente do alto custo de manutenção do sítio, Burle Marx doou a propriedade ao governo federal, a fim de assegurar sua preservação e o compartilhamento desse espaço único com a sociedade. Nos quase 10 anos que se seguiram, ele ainda morou ali, e atuou como o primeiro diretor, dedicando-se a organizar sua coleção museológica, composta por obras de arte, mobiliário, indumentária e plantas.
“O Sítio Roberto Burle Marx é onde melhor se percebe e compreende o seu universo cultural e modo de estar no mundo, pois é a única coleção constituída com a curadoria dele mesmo, com o propósito de registrar um panorama completo de sua obra. De tudo o que realizou, o Sítio foi a obra de sua vida. Tudo que ele ganhava ele colocava neste local, e o deixou como instituição de sua memória”, diz Claudia Storino, arquiteta e diretora do Sítio Roberto Burle Marx.
Os desafios da preservação de um jardim
A compra do Sítio foi motivada pela necessidade de um local para abrigar a coleção botânica de Burle Marx. O enorme Ficus drupacea é originário do sudeste da Ásia e do nordeste da Austrália. Já a grama-preta é da China e do Japão
Oscar Liberal/Iphan/Divulgação
No tombamento de uma obra de arquitetura, não é mais possível realizar modificações. Mas como isso ocorre com um jardim? “O jardim é algo vivo, que está em constante transformação, inclusive variando com as estações do ano. Ele requer manutenção permanente, não periódica ou pontual”, explica Claudia.
Por isso, Burle Marx assegurou que os 27 jardineiros que trabalhavam sob sua orientação no Sítio fossem contratados como servidores públicos. Deles, cinco ainda são atuantes. Parte importante do trabalho da administração atual é sistematizar em um documento de consulta o conhecimento desses profissionais, para garantir que os jardins e viveiros continuem a ser cultivados da mesma maneira pelas próximas gerações.
A preservação de um jardim implica em entender que são vitais à saúde das plantas e de todo o seu ecossistema, necessitando de constante manutenção – no Sítio Roberto Burle Marx, o custo estimado é de R$ 5 milhões por ano.
As mudanças climáticas, por exemplo, estão entre os riscos mapeados, além do natural crescimento e morte de plantas, que precisam ser podadas e substituídas para preservar a composição original.
A paixão de Burle Marx pela flora tropical
No jardim ao redor do Ateliê, há espécies nativas como Alcantarea geniculata, as palmeiras baixas guriri e a bromélia gravatá
Oscar Liberal/Iphan/Divulgação
Apesar de paulista, Roberto Burle Marx cresceu em uma chácara no Leme, zona sul do Rio de Janeiro. Ele sempre se interessou por plantas e, com o incentivo de sua mãe e de sua babá, entrava na mata e voltava com espécies para cultivar.
Mas foi só mais tarde que ele realmente “descobriu” a flora brasileira – ironicamente, fora do Brasil. Entre 1928 a 1929, Burle Marx viveu na Alemanha, onde entrou em contato com as vanguardas artísticas e se entendeu como artista. Lá, visitou o Jardim Botânico de Berlim, onde se surpreendeu com a visão da flora brasileira em uma estufa.
“Ele ficou maravilhado e teve um insight que mudou sua vida. Entendeu que seu trabalho seria mostrar ao mundo a importância da flora tropical, que era desprestigiada no Brasil, criando obras de arte com essas plantas”, explica Claudia. Apesar dos jardins projetados por Burle Marx serem diferentes, sem repetir fórmulas, todos são modernistas e tropicais, usando preferencialmente a flora local.
Como todo movimento de vanguarda, o paisagismo de Burle Marx provocou resistência. “A primeira reação das pessoas não foi de elogio. As plantas que ela usava eram tidas como mato”, afirma Claudia.
Felizmente, o arquiteto e urbanista Lucio Costa, que era vizinho da família Burle Marx no Leme, reconheceu genialidade. Ao ver os jardins que Roberto fazia na chácara, convidou-o para projetar seu primeiro paisagismo profissional, para uma casa que ele estava fazendo com o arquiteto Gregori Warchavchik.
No Sítio, Burle Marx cultivava e experimentava com plantas tropicais. No lago da casa principal, há Pandanus pygmaeus, da Ásia, e lótus-azul, do leste da África e do sul da Península Arábica. No canteiro à beira do lago, a bromélia nativa gravatá. As palmeiras são palmeiras-triângulo, originárias de Madagascar
Oscar Liberal/Iphan/Divulgação
No Sítio, Burle Marx cultivou mais de 3.500 espécies, nativas e exóticas, em maioria tropicais ou subtropicais. O termo “mais de” se dá porque o inventário de plantas iniciado por Burle Marx até hoje não foi finalizado, dada a enorme variedade de espécies.
Entre elas, estão a palmeira-imperial, originária das Antilhas; a palmeira carnaúba, do semiárido do nordeste do Brasil; plantas aquáticas, como o lótus-azul, do leste da África e do sul da Península Arábica, e árvores de grande porte, como a Ficus drupacea, do sudeste da Ásia e do nordeste da Austrália, e a brasileira pau-ferro.
Ao longo de sua vida, Burle Marx viajou a todos os biomas do Brasil, em expedições de coletas de plantas. Inclusive, descobriu mais de 40 espécies, e teve tantas outras batizadas em sua homenagem, como reconhecimento a sua importância para a botânica brasileira. “No Sítio, ele constituiu o repertório tropical para os seus jardins”, conclui Claudia.
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Serviço
Sítio Roberto Burle Marx
Endereço: Estrada Roberto Burle Marx, 2019 – Barra de Guaratiba – Rio de Janeiro (RJ)
Visitas: de terça a sábado (exceto feriados), às 9h30 e 13h30
Agendamentos: sitio-roberto-burle-marx.reservio.com
Ingresso: R$ 10

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