Sócios do estúdio Perkins&Will falam sobre sonhos e projetos em entrevista exclusiva

Arquitetos trocaram as profissões de seus sonhos de infância e, com diferentes visões de mundo, há 13 anos realizam projetos em diversas áreas Em 2011, o grupo estadunidense Perkins&Will aterrissou em São Paulo em busca de parceiros e, no ano seguinte, incorporou o estúdio de arquitetura paulistano que hoje tem como sócios os arquitetos Fernando Vidal, Douglas Tolaine e Lara Kaiser.
Em 13 anos, o escritório ficou globalizado e cresceu no desenvolvimento de projetos corporativos, edifícios residenciais e nas áreas da educação e da saúde. Atualmente tem 120 obras em andamento. O segredo do sucesso é o conceito que os une: o trabalho em equipe. “O estúdio não depende de uma pessoa ou de seu fundador”, diz Fernando, diretor-geral. “É um conjunto de pessoas cujas ideias se somam, e com a soma, é mais forte no conteúdo, na discussão e na qualidade. Somos menos ‘eu-toral’ e mais ‘nós-toral’.”
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Fundado há 90 anos, o grupo Perkins&Will reúne 2.400 profissionais em 35 escritórios espalhados pelo globo. No Brasil, tem somente o estúdio em São Paulo. “Aqui somos 100 pessoas, 90% de arquitetos que atuam nas diversas funções para os projetos acontecerem”, afirma Douglas, que é diretor de design. “Como temos a pluralidade no estúdio, cada vez mais pensamos na flexibilidade dos edifícios”, acrescenta Lara Kaiser, diretora de operações.
Na América Latina, a Perkins&Will está ainda no México. Além das cidades nos Estados Unidos, tem estúdios em Vancouver, Toronto, Londres, Copenhague, Paris, Xangai e Singapura. “Todos estamos conectados em uma plataforma”, diz Fernando. “O bacana é a soma de pontos de vista diferentes. Essa diversidade é rica, traz certa inquietude porque cada um pensa de um jeito, mas com objetivos comuns”, conclui Fernando. A seguir, a entrevista para Casa e Jardim.
Como começaram na arquitetura?
FERNANDO VIDAL: Minha mãe era decoradora. Há 30 anos, eu estava em dúvida entre publicidade e arquitetura. Passei uma semana na agência W/Brasil onde me convenceram a desistir da publicidade. Disseram: dá pra migrar da arquitetura para a publicidade, nunca o contrário. No primeiro ano do curso na Universidade Belas Artes, fiz estágio com o arquiteto Luiz Fernando Rocco. Há mais de 25 anos estou no escritório, que ele fundou há 40 anos, e fiquei sócio em 2001.
DOUGLAS TOLAINE: Eu cresci em uma casa ao lado de um clube esportivo de São Paulo e meu foco era o esporte. Fui atleta até os 23 anos de idade. Em viagens pelo mundo como jogador de basquete da seleção brasileira, passei a me interessar por arquitetura e design urbano. Estudei na Faculdade de Arquitetura da Unip — Universidade Paulista. Há quase 20 anos, trabalho no estúdio e virei sócio.
LARA KAISER: Quando eu era criança, minha casa era frequentada por Roberto Burle Marx. Tenho tios urbanistas e paisagistas que trabalhavam com ele. Minha mãe era arquiteta e designer. Cresci dentro de obras. Eu queria estudar medicina, mas entrei no curso de Arquitetura da Belas Artes. Lá descobri e me apaixonei pela arquitetura hospitalar. Desde então, estou na área. Fiz mestrado e tive escritório em Londres. Quando voltei para o Brasil, há 10 anos, o estúdio estava com o projeto da faculdade do Albert Einstein e precisava de alguém que o liderasse. Abri aqui o setor da saúde e me tornei sócia.
A arquiteta Lara Kaiser
Wesley Diego/Editora Globo
Quais são as áreas de atuação do estúdio?
FV: Estamos em todos os setores da arquitetura, desde a implantação, da cadeira ao masterplan. Atuamos mais na área de edificações: residenciais, corporativos, de uso misto, condomínios residenciais e as próprias casas. Temos a área focada em saúde, com projetos de laboratórios, clínicas, hospitais e centros de educação em saúde. Desenvolvemos projetos de interiores, a maioria na área corporativa. Atuamos no setor de educação com projetos de escola e faculdade.
Como aconteceu a fusão com a Perkins&Will?
FV: Em 2011, começamos a nos relacionar com estúdios internacionais. O Brasil sediaria as Olimpíadas e a Copa do Mundo. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos passavam por crise desde 2008, e o mundo olhava os países emergentes como boa oportunidade. Na época, o grupo Perkins&Will visitou 25 estúdios de arquitetura brasileiros. Tivemos uma relação interessante focada na soma, na colaboração, no ganho de expertise, na sustentabilidade e na perenidade do próprio negócio. Entendemos que faria sentido pertencer ao grupo para ficar mais conectado e próximo ao que acontece no mundo, sem perder a identidade. O grupo cresce fazendo fusões que dão continuidade à história local.
Pavimento térreo do Edifício L Klabin, projetado em 2023, tem fechamento de painéis pivotantes de muxarabis, com 7 m de altura, fixados em estrutura de metal e concreto com regulagem telescópica | Projeto de interiores do estúdio Perkins&Will
Pedro Mascaro/Divulgação
O que mudou no estúdio depois da fusão?
FV: Conectados com o mundo, tivemos acesso a outras metodologias, processos, tendências. Estamos mais globalizados. Fizemos a fusão em 2012, passando por período dinâmico de aprendizado até 2014, quando tivemos a crise política e econômica no Brasil. Foi desafiador o processo de integração. A partir de 2015, entendemos melhor o mecanismo e ficamos alinhados. O estúdio é glocal: global com característica local. Desenvolve tipologias e complexidades com todos os setores da arquitetura, sem perder a essência que é trabalhar com o cliente. Interagimos muito. Não fazemos o que o cliente quer, mas o que ele precisa.
Há colaboração e trocas entre os estúdios?
FV: Diariamente trocamos expertises. Estamos todos em uma plataforma compartilhando ideias, conceitos e processos. É bem dinâmica. Tem intranet com tudo o que fazemos em arquitetura, projetos e números. Inclusive nossas avaliações de performances. O grupo quer se perpetuar criando novas gerações de lideranças.
DT: Aqui os cem profissionais estão envolvidos em todas as atividades — arquitetura, atendimento, financeiro, marketing, comunicação e tecnologia — que, de certa forma, são compartilhadas com as outras pessoas pelo mundo. Nossa tecnologia é administrada em Chicago: hardware, software, todos os programas. A plataforma de gestão é a mesma; usufruímos do que acontece nos 35 estúdios.
O residencial 1125 Joaquim, de 2024, no Itaim Bibi, exibe na fachada brises e floreiras de alumínio amadeirado
Pedro Mascaro/Divulgação
Como a arquitetura do Brasil é vista lá fora?
DT: De modo geral é positiva. A arquitetura brasileira é admirada pelos estudiosos. Eles reconhecem que temos enormes potencial e criatividade, aplicados com poucos recursos. Entendem as diferenças ambientais, culturais e sociais. Eles têm curiosidade sobre como transformamos o simplório em algo espetacular. Temos relevância no mercado de arquitetura em todo o mundo e histórico importante no design de móveis. Mas o arquiteto tem uma importância maior nos Estados Unidos que no Brasil. Pela legislação de lá, o arquiteto é responsável por especificações e aprovações de tudo. Aqui é a construtora.
O edifício Harmonia 590, de 2022, tem estética industrial com estrutura metálica em consonância com a moderna Vila Madalena, em São Paulo
Pedro Mascaro/Divulgação
Como é o processo criativo aqui?
FV: Todos temos várias funções na arquitetura e no desenvolvimento de projetos. Lara toca mais os da área de saúde, Douglas, os de edificações, e eu os de interiores corporativos. Os de educação compartilhamos entre os três. Além da gestão, colocamos a mão na massa. Os três desenham na prancheta.
E há foco em projetos de casas?
DT: Temos todos os tipos de projeto e nas escalas P, M e G. Projetamos móveis. Fazemos de cinco a seis casas por ano. Mas o estúdio não está focado em serviços e produtos. Nosso foco está nas pessoas e suas necessidades, seja casa, seja escritório ou outro negócio. Oferecemos soluções em design e arquitetura que o cliente não sabia que queria, mas precisava. Propomos um contrato que integra tudo: arquitetura, interiores e paisagismo. O projeto tem visão única.
FV: Não temos o serviço só de interiores. Fazemos como complemento. Projetamos a edificação e, em alguns casos, chamamos um parceiro para os interiores. Acreditamos na pluralidade. Analisamos a demanda e montamos o melhor time interno ou externo, nacional ou internacional. Desenvolvemos 30% dos projetos fora do estado de São Paulo. Temos obras com parcerias em todas as regiões do país e no México e no Peru.
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Como definem a linguagem do estúdio?
DT: Fazemos arquitetura contemporânea e atemporal. A maioria dos projetos tem as características para um país tropical. Exploramos a relação com a natureza. Buscamos a transparência, a entrada de luz natural e a relação com a sombra. Temos muita preocupação com a sustentabilidade.
LK: A arquitetura viva é bem praticada no estúdio. É um ponto relevante em todos os projetos de todas as áreas.
FV: Não tem uma linguagem. Cada projeto tem uma forma. Nós não separamos a arquitetura exterior e a interior. Em cada setor, independentemente das características do projeto, sempre pensamos o dentro e o fora juntos. Como o revestimento interno vai para a área externa? Não vemos limites.
O arquiteto Fernando Vidal
Wesley Diego/Editora Globo
Como veem a arquitetura do futuro com as mudanças climáticas?
FV: Se chover muito, vamos captar mais água, pensando na questão do clima. Vamos entender as novas características do local e usá-las nos projetos.
DT: Hoje um dos termos mais usados sobre isso é a resiliência. São os edifícios resilientes. Os prédios não podem se limitar a serem pensados para a foto, mas para o filme, que é hoje e daqui a 50 anos. Em como o edifício pode ser adaptativo, se regenerar, se transformar: essa é uma das grandes preocupações do grupo pensando no legado que deixará para as novas gerações.
O imponente flamboaiã foi preservado no jardim e definiu a construção da casa, projetada em 2016, no terreno de 1 mil m² em São Paulo
Nelson Kon/Divulgação
O que estão fazendo na prática?
DT: Desenvolvemos um edifício na rua dos Pinheiros que se chama Bio Square. O usual nos prédios de São Paulo é ter cinco ou seis subsolos. Nesse projeto, pensamos: e se diminuir a quantidade de carros? O metrô chegará até a frente, as pessoas terão transporte público de qualidade e não precisarão de carro. Menos carros é bom para a questão do combustível e da mobilidade urbana. Se fizermos um subsolo só, terá menor extração de terra. Podemos subir as garagens para serem iluminadas e ventiladas. Fizemos o sobressolo com 3,90 m de pé-direito com características técnicas dos pavimentos de escritório. Custa mais caro, mas daqui a 30 anos o edifício pode se transformar. É preciso pensar a arquitetura um passo à frente.
FV: No centro das grandes cidades, há vários edifícios ociosos com enorme quantidade de vagas nos subsolos que não têm mais demanda. Se tiver pé-direito alto nas garagens, pode virar um hospital. Em vez de demolir, podemos transformar esse edifício. Ele é menos estático pela evolução do próprio uso. Temos de tomar ações que levem à resiliência.
LK: Estamos cada vez mais pensando na flexibilidade dos edifícios. Como temos pluralidade no estúdio, ficamos atentos a esse ponto. Douglas faz um edifício flexível que amanhã pode se tornar um hospital. Absorvemos normas e regras para isso. No projeto de um hospital, não dava para fazer subsolo e planejamos o sobressolo com vagas de carros que, no futuro, pode ser área de internação. As instalações estão dimensionadas para essa transformação.
No projeto de retrofit de 2021 no térreo do Conjunto São Luiz, o paisagismo de Burle Marx foi valorizado com a retirada de muro e virou praça privada de uso público com a criação de acessos para pedestres na Av. Juscelino Kubitschek, em São Paulo
Ruy Teixeira/Divulgação
Como adaptar a casa às mudanças atuais?
FV: Há 20 anos, as pessoas viviam com determinadas ideias. Hoje repensaram a forma como moram. Antes não tinha fast food. Agora fazemos edifícios residenciais que têm um elevador de carga para delivery. A pizza chega no seu andar. A arquitetura pode atender a evolução do ser humano com esse dinamismo e essa resiliência colocada.
O icônico edifício com duas torres, projetado por Marcello Fragelli em 1984, ganhou novo hall central de circulação para os elevadores
Ruy Teixeira/Divulgação
De que forma contribuem para melhorar as cidades?
FV: Fizemos o mais simples com impacto gigantesco no Conjunto São Luiz na Av. Juscelino Kubitschek. O dono pediu a reforma do térreo do prédio antigo, corporativo, com paisagismo de Burle Marx, que ficava escondido por muros no terreno de 15 mil m². Na legislação tem os benefícios de fachada ativa. Em vez de projeto pontual no edifício, fizemos um projeto urbanístico. Tiramos os muros e criamos seis acessos. Ativamos o térreo como espaço privado de uso público. O antigo teatro virou supermercado e as recepções, café e restaurante. Agora o prédio fica dentro de uma praça privada onde as pessoas circulam.
DT: O estúdio produziu nos últimos cinco anos em prédios mais de 75 mil m² de fachada ativa para lojas e atividades voltadas para a calçada e abertas para uso público em São Paulo. Corresponde ao 13º shopping center do Brasil. Na Av. Rebouças, temos 16 empreendimentos.
O arquiteto Douglas Tolaine
Wesley Diego/Editora Globo
Com tantos empreendimentos, como fica a memória das cidades?
DT: Precisa ter essa preocupação, mas não dá para congelar as cidades. Eu adoraria manter todas as casinhas de Pinheiros e ter tudo de bom no bairro. Para ter qualidade de serviços públicos, de transporte e conexão na vida das pessoas, é preciso ter evolução que demanda outra escala de soluções. Ainda não tem em São Paulo ações das prefeituras que misturam história e evolução. Poderiam ter leis que fomentem essa mistura. Fizemos um projeto em Porto Alegre que manteve duas casas históricas, uma da colonização portuguesa e outra da alemã. Elas convivem com um edifício novo e abrigam áreas comuns — salão de festas e academia. Lá o incorporador tem um benefício: ganha em potencial construtivo. Sem essa ferramenta, ele acha mais fácil demolir.
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O que ainda querem projetar?
DT: Eu adoraria ter contrapartida de tudo que o estúdio constrói para os CNPJs; ter a capacidade e a possibilidade de retorno social. Eu tenho três filhas que me provocam: o que você faz para as crianças? Fizemos uma escola que cobra dos alunos R$ 10 mil por mês. Gostaria de fazer escola pública com a qualidade dos projetos que propiciamos para o privado. Ou casas populares. Ninguém está falando de caro, mas de qualidade, de zelo por essas pessoas.
LK: Eu gostaria de fazer o mesmo na área social, com criatividade. Fizemos uma escola pequena para a comunidade de Paraisópolis. Estamos com o projeto de um hospital público, mas com verba privada, para um cliente em Londrina. É interessante como o time abraça a ação e coloca mais energia no projeto só por ser público.
FV: Esse equilíbrio é interessante. Quase não temos projeto no setor público. Lá fora temos acesso a projetos institucionais, como museu e biblioteca. Aqui tem uma característica nacional do público-privado. É um pouco complexo.
O escritório da marca Moas, de 2024, tem base neutra, diferentes formas e texturas | Projeto de interiores do estúdio Perkins&Will
Renato Navarro/Divulgação
Quais são os arquitetos que os influenciaram?
FV: Tenho vários. De Luís Barragán a Richard Mayer e Norman Foster. São nomes que influenciam de algum modo nossos projetos.
DT: Tem ainda Paulo Mendes da Rocha e Vilanova Artigas. E Artacho Jurado pela provocação e ousadia, que era empreendedor-arquiteto. Inventor e incorporador, fazia tudo do jeito que queria. Para entender a dor do incorporador, compramos terreno de 10 x 50 m para fazer um edifício do nosso jeito. Nossa inquietude nos levou a buscar essa outra possibilidade da arquitetura.

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