Queremos casas belas, espaçosas, dignas e acessíveis. Mas também sustentáveis, hedonistas, ecológicas, saudáveis e socialmente responsáveis. Alguns diriam que queremos o impossível. No entanto, o premiadíssimo escritório australiano Austin Maynard Architects está aqui para nos lembrar que não; que todas essas questões podem ser centrais na arquitetura. Mais do que isso: devem ser. E que, para projetar moradias assim, basta simplesmente mudar as prioridades.
Abraçando Alan
O amarelo da fruta de Alan encontra seu eco no amarelo das áreas comuns do ParkLife
Tom Ross/Reprodução AD Espanha
A história de Alan ilustra isso muito bem. Alan é uma árvore, uma enorme seringueira que leva o nome do vizinho que a plantou, e ficava justamente nos limites do terreno destinado ao estúdio para desenvolver um de seus projetos mais premiados, o ParkLife. O movimento óbvio teria sido arrancá-la; a solução da Austin Maynard Architects, no entanto, foi respeitá-la… ainda que, para isso, fosse preciso reduzir o espaço do edifício.
Leia Mais
Vai construir ou reformar? Seleção Archa + Casa Vogue ajuda você a encontrar o melhor arquiteto para seu projeto
“Em vez de seguir a norma de desenvolvimento urbano de usar cada centímetro da área disponível para garantir o máximo de retorno financeiro, recuamos nosso edifício dois metros além do limite. Ao fazer isso, protegemos as raízes de Alan, permitimos seu crescimento futuro e criamos espaço para que a copa se acomodasse confortavelmente junto ao prédio e sobre as varandas”, explica o escritório.
Em harmonia com a natureza e rejeitando os mecanismos capitalistas, a Austin Maynard Architects conseguiu não apenas uma bela paisagem para os moradores do edifício, mas também uma valiosa sombra natural… e algo mais. “Muitos dos moradores mais jovens do ParkLife dizem aos amigos que vivem em uma casa na árvore, em vez de um apartamento”, explicam os idealizadores dessa solução.
Se essa decisão é arriscada em termos financeiros, a próxima é ainda mais arriscada em termos de propriedade privada. Quando souberam que a Prefeitura construiria um parque nos fundos do edifício, os arquitetos decidiram que o próprio ParkLife se tornaria a passarela de acesso para o espaço verde, mas não apenas para seus moradores, e sim para todos os vizinhos do complexo.
“Sem esse acesso direto, os residentes de The Village teriam de dar a volta no quarteirão e atravessar uma ciclovia e uma passagem de pedestres muito movimentada, ou então cruzar um beco pouco atraente do outro lado”, explicam os responsáveis, que também decidiram abrir mão de muros e fazer com que os jardins do primeiro andar se fundissem com o parque público.
Como uma geladeira
O ParkLife é um prédio de apartamentos em Brunswick (Austrália) com 37 unidades residenciais (cinco das quais são moradias subsidiadas) e dois espaços comerciais para aluguel
Tom Ross/Reprodução AD Espanha
Outra ideia “inusitada” para o ParkLife? Escolher um revestimento de painéis isolantes em vez dos típicos painéis de concreto pré-moldado, muito mais rentáveis (e poluentes). “Eles têm Colorbond (aço colorido) em cada lado e um núcleo isolante — basicamente, o mesmo princípio de uma geladeira”, explicam. Só essa solução já garante um altíssimo desempenho energético, mas, além disso, foi dada atenção especial à vedação das juntas para evitar fugas térmicas.
No entanto, se essa vedação é tão eficiente, o que acontece com a umidade? “Para combater a umidade excessiva e manter uma temperatura interna constante, junto com a vedação do edifício foi instalado um sistema ERV (ventilação com recuperação de energia) em cada apartamento. A unidade fica sobre o teto do banheiro, com um duto que vai para cada cômodo, retirando o ar viciado do interior e trocando-o por ar fresco do exterior, ao mesmo tempo em que transfere calor e umidade para manter uma temperatura constante dentro do apartamento”, explicam os arquitetos.
E tem mais: a Austin Maynard Architects também instalou dispositivos nos pátios de luz que borrifam a água coletada durante os dias mais quentes, para que as janelas dos quartos possam ser abertas e recebam ar fresco por ventilação cruzada. “Não há aquecimento nem refrigeração mecânica dentro do ParkLife. Todo o condicionamento térmico é feito por métodos passivos e sistemas de recuperação de energia (VER), para manter uma temperatura interna confortável.”
Graças a esses métodos e a vários outros (que incluem independência total de combustíveis fósseis, a ponto de não haver estacionamento para carros, apenas para bicicletas e veículos compartilhados), o ParkLife conquistou uma incrível classificação energética de nove estrelas (em dez). Isso o torna o edifício mais sustentável da Austrália, mesmo considerando que está situado em The Village, o primeiro complexo neutro em carbono do país.
O “prédio da festa”
A parte de trás do ParkLife. O jardim de palmeiras é visível do hall de entrada. Acima à direita, o anfiteatro
Tom Ross/Reprodução AD Espanha
“O ParkLife tem a reputação de ser o prédio mais animado do The Village. Estamos sempre entrando e saindo dos apartamentos uns dos outros ou sentados em grupo no anfiteatro para assistir a um belo pôr do sol. Isso acontece graças aos espaços comuns bem projetados, que facilitam a interação, mas é realmente a comunidade que vive aqui que faz o ParkLife prosperar”, explicam Claire e Tristen, moradores desse conjunto que se destaca pelo design das áreas comuns, que desafiam as lógicas mais mercantilistas.
“Em cada andar, nossas portas de entrada dão para uma área comum ao ar livre, generosamente espaçada, com claraboias em ambos os lados. Compartilhamos uma lavanderia na cobertura, um jardim e um anfiteatro com belos pores do sol e vistas tanto do parque quanto do restante do bairro”, continua o casal.
Esse anfiteatro, localizado no último andar, é perfeito para a realização de eventos, mas também, simplesmente, para sentar e relaxar. Os jardins, muito apreciados pelos moradores, contam com plantas comestíveis, e há uma grande varanda coberta equipada com uma churrasqueira elétrica. Tudo isso não apenas estimula a socialização entre vizinhos, como também possibilita a realização de encontros familiares ou entre amigos, aspectos que influenciam diretamente o bem-estar pessoal.
Tudo isso, no entanto, não entra em conflito com a privacidade, que é preservada em cada um dos apartamentos e até mesmo nas áreas comuns, graças a um projeto cuidadoso, provando que é possível ter tudo.
Interiores personalizados
A eficiência energética determina a quantidade de vidro que utilizamos em relação à parede sólida, já que a área envidraçada e sua orientação afetam diretamente a classificação energética. Para criar as casas mais eficientes termicamente, analisamos o tamanho e o espaçamento do vidro”, explica o escritório Austin Maynard Architects
Tom Ross/Reprodução AD Espanha
No ParkLife, o luxo é medido em qualidade de vida, não por acabamentos exclusivos. “A paleta de materiais interiores é propositalmente simples: pisos de madeira, paredes brancas, armários brancos, teto de concreto e azulejos de terrazzo no banheiro. A intenção era permitir que a comunidade personalizasse suas casas, em vez de aplicar acabamentos e texturas em excesso. Foram criados espaços atraentes e funcionais, com vistas excelentes e muita luz natural, que podem ser embelezados da maneira que os moradores quiserem para transformar o apartamento em seu lar”, explica o escritório Austin Maynard Architects.
E seus moradores confirmam: “Já vivi em apartamentos tanto em Melbourne quanto em Nova York; nada se compara ao ParkLife. Todos os outros lugares me pareceram pequenos e apertados, com projetos mal planejados e acabamentos baratos. O ParkLife me parece o máximo em luxo, ao mesmo tempo, em que é sustentável. Os belos acabamentos e detalhes dos apartamentos mostram a atenção ao detalhe em cada decisão de design. Dá para ver que a Austin Maynard Architects colocou muita paixão e cuidado”, conta Johanna. E não é isso, afinal, o que todos nós gostaríamos de dizer sobre nossas casas?
Em suma, o ParkLife demonstra que outra forma de habitar é possível. Que a beleza não é incompatível com a sustentabilidade, nem a comunidade com a privacidade. Que a arquitetura pode ser generosa, mesmo em contextos urbanos densos, se o bem-estar coletivo for priorizado em detrimento do ganho individual. Em tempos em que a moradia parece ter se tornado um luxo, projetos como este nos lembram que o verdadeiro progresso consiste em desenhar espaços onde as pessoas, a natureza e a cidade possam conviver em equilíbrio.
*Matéria originalmente publicada na Architectural Digest Espanha.
Abraçando Alan
O amarelo da fruta de Alan encontra seu eco no amarelo das áreas comuns do ParkLife
Tom Ross/Reprodução AD Espanha
A história de Alan ilustra isso muito bem. Alan é uma árvore, uma enorme seringueira que leva o nome do vizinho que a plantou, e ficava justamente nos limites do terreno destinado ao estúdio para desenvolver um de seus projetos mais premiados, o ParkLife. O movimento óbvio teria sido arrancá-la; a solução da Austin Maynard Architects, no entanto, foi respeitá-la… ainda que, para isso, fosse preciso reduzir o espaço do edifício.
Leia Mais
Vai construir ou reformar? Seleção Archa + Casa Vogue ajuda você a encontrar o melhor arquiteto para seu projeto
“Em vez de seguir a norma de desenvolvimento urbano de usar cada centímetro da área disponível para garantir o máximo de retorno financeiro, recuamos nosso edifício dois metros além do limite. Ao fazer isso, protegemos as raízes de Alan, permitimos seu crescimento futuro e criamos espaço para que a copa se acomodasse confortavelmente junto ao prédio e sobre as varandas”, explica o escritório.
Em harmonia com a natureza e rejeitando os mecanismos capitalistas, a Austin Maynard Architects conseguiu não apenas uma bela paisagem para os moradores do edifício, mas também uma valiosa sombra natural… e algo mais. “Muitos dos moradores mais jovens do ParkLife dizem aos amigos que vivem em uma casa na árvore, em vez de um apartamento”, explicam os idealizadores dessa solução.
Se essa decisão é arriscada em termos financeiros, a próxima é ainda mais arriscada em termos de propriedade privada. Quando souberam que a Prefeitura construiria um parque nos fundos do edifício, os arquitetos decidiram que o próprio ParkLife se tornaria a passarela de acesso para o espaço verde, mas não apenas para seus moradores, e sim para todos os vizinhos do complexo.
“Sem esse acesso direto, os residentes de The Village teriam de dar a volta no quarteirão e atravessar uma ciclovia e uma passagem de pedestres muito movimentada, ou então cruzar um beco pouco atraente do outro lado”, explicam os responsáveis, que também decidiram abrir mão de muros e fazer com que os jardins do primeiro andar se fundissem com o parque público.
Como uma geladeira
O ParkLife é um prédio de apartamentos em Brunswick (Austrália) com 37 unidades residenciais (cinco das quais são moradias subsidiadas) e dois espaços comerciais para aluguel
Tom Ross/Reprodução AD Espanha
Outra ideia “inusitada” para o ParkLife? Escolher um revestimento de painéis isolantes em vez dos típicos painéis de concreto pré-moldado, muito mais rentáveis (e poluentes). “Eles têm Colorbond (aço colorido) em cada lado e um núcleo isolante — basicamente, o mesmo princípio de uma geladeira”, explicam. Só essa solução já garante um altíssimo desempenho energético, mas, além disso, foi dada atenção especial à vedação das juntas para evitar fugas térmicas.
No entanto, se essa vedação é tão eficiente, o que acontece com a umidade? “Para combater a umidade excessiva e manter uma temperatura interna constante, junto com a vedação do edifício foi instalado um sistema ERV (ventilação com recuperação de energia) em cada apartamento. A unidade fica sobre o teto do banheiro, com um duto que vai para cada cômodo, retirando o ar viciado do interior e trocando-o por ar fresco do exterior, ao mesmo tempo em que transfere calor e umidade para manter uma temperatura constante dentro do apartamento”, explicam os arquitetos.
E tem mais: a Austin Maynard Architects também instalou dispositivos nos pátios de luz que borrifam a água coletada durante os dias mais quentes, para que as janelas dos quartos possam ser abertas e recebam ar fresco por ventilação cruzada. “Não há aquecimento nem refrigeração mecânica dentro do ParkLife. Todo o condicionamento térmico é feito por métodos passivos e sistemas de recuperação de energia (VER), para manter uma temperatura interna confortável.”
Graças a esses métodos e a vários outros (que incluem independência total de combustíveis fósseis, a ponto de não haver estacionamento para carros, apenas para bicicletas e veículos compartilhados), o ParkLife conquistou uma incrível classificação energética de nove estrelas (em dez). Isso o torna o edifício mais sustentável da Austrália, mesmo considerando que está situado em The Village, o primeiro complexo neutro em carbono do país.
O “prédio da festa”
A parte de trás do ParkLife. O jardim de palmeiras é visível do hall de entrada. Acima à direita, o anfiteatro
Tom Ross/Reprodução AD Espanha
“O ParkLife tem a reputação de ser o prédio mais animado do The Village. Estamos sempre entrando e saindo dos apartamentos uns dos outros ou sentados em grupo no anfiteatro para assistir a um belo pôr do sol. Isso acontece graças aos espaços comuns bem projetados, que facilitam a interação, mas é realmente a comunidade que vive aqui que faz o ParkLife prosperar”, explicam Claire e Tristen, moradores desse conjunto que se destaca pelo design das áreas comuns, que desafiam as lógicas mais mercantilistas.
“Em cada andar, nossas portas de entrada dão para uma área comum ao ar livre, generosamente espaçada, com claraboias em ambos os lados. Compartilhamos uma lavanderia na cobertura, um jardim e um anfiteatro com belos pores do sol e vistas tanto do parque quanto do restante do bairro”, continua o casal.
Esse anfiteatro, localizado no último andar, é perfeito para a realização de eventos, mas também, simplesmente, para sentar e relaxar. Os jardins, muito apreciados pelos moradores, contam com plantas comestíveis, e há uma grande varanda coberta equipada com uma churrasqueira elétrica. Tudo isso não apenas estimula a socialização entre vizinhos, como também possibilita a realização de encontros familiares ou entre amigos, aspectos que influenciam diretamente o bem-estar pessoal.
Tudo isso, no entanto, não entra em conflito com a privacidade, que é preservada em cada um dos apartamentos e até mesmo nas áreas comuns, graças a um projeto cuidadoso, provando que é possível ter tudo.
Interiores personalizados
A eficiência energética determina a quantidade de vidro que utilizamos em relação à parede sólida, já que a área envidraçada e sua orientação afetam diretamente a classificação energética. Para criar as casas mais eficientes termicamente, analisamos o tamanho e o espaçamento do vidro”, explica o escritório Austin Maynard Architects
Tom Ross/Reprodução AD Espanha
No ParkLife, o luxo é medido em qualidade de vida, não por acabamentos exclusivos. “A paleta de materiais interiores é propositalmente simples: pisos de madeira, paredes brancas, armários brancos, teto de concreto e azulejos de terrazzo no banheiro. A intenção era permitir que a comunidade personalizasse suas casas, em vez de aplicar acabamentos e texturas em excesso. Foram criados espaços atraentes e funcionais, com vistas excelentes e muita luz natural, que podem ser embelezados da maneira que os moradores quiserem para transformar o apartamento em seu lar”, explica o escritório Austin Maynard Architects.
E seus moradores confirmam: “Já vivi em apartamentos tanto em Melbourne quanto em Nova York; nada se compara ao ParkLife. Todos os outros lugares me pareceram pequenos e apertados, com projetos mal planejados e acabamentos baratos. O ParkLife me parece o máximo em luxo, ao mesmo tempo, em que é sustentável. Os belos acabamentos e detalhes dos apartamentos mostram a atenção ao detalhe em cada decisão de design. Dá para ver que a Austin Maynard Architects colocou muita paixão e cuidado”, conta Johanna. E não é isso, afinal, o que todos nós gostaríamos de dizer sobre nossas casas?
Em suma, o ParkLife demonstra que outra forma de habitar é possível. Que a beleza não é incompatível com a sustentabilidade, nem a comunidade com a privacidade. Que a arquitetura pode ser generosa, mesmo em contextos urbanos densos, se o bem-estar coletivo for priorizado em detrimento do ganho individual. Em tempos em que a moradia parece ter se tornado um luxo, projetos como este nos lembram que o verdadeiro progresso consiste em desenhar espaços onde as pessoas, a natureza e a cidade possam conviver em equilíbrio.
*Matéria originalmente publicada na Architectural Digest Espanha.
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